João
10,27-30
Naquele tempo, disse Jesus:
27 As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem.
28 Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão.
E ninguém vai arrancá-las de minha mão.
29 Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos,
e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai.
30 Eu e o Pai somos um.'
Naquele tempo, disse Jesus:
27 As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem.
28 Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão.
E ninguém vai arrancá-las de minha mão.
29 Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos,
e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai.
30 Eu e o Pai somos um.'
Reflexão
O
texto sobre o qual vamos refletir hoje faz parte do conhecido complexo que trata
da relação entre o pastor e o seu rebanho (Jo 10). Busca-se, nesse capítulo,
responder à questão: quais são os fundamentos da relação entre Jesus e sua
comunidade. O trecho em foco, João 10,27-30, nasce, como tantos outros, do
confronto entre Jesus e um grupo de judeus. Discute-se, aqui, como se pode
estabelecer uma relação autêntica e duradoura com Deus. Para alguns judeus, o
templo é a base desse relacionamento.
O
confronto se deu quando Jesus estava no templo por ocasião da Festa da Dedicação
ou da Purificação. Essa festa lembrava a purificação do Templo de Jerusalém, na
época dos macabeus, três anos após o altar do templo ter sido profanado, ou
seja, ter sido usado para oferecer sacrifícios ao Deus maior dos gregos, Zeus. A
festa representava, portanto, a expulsão dos elementos estrangeiros do centro
religioso da comunidade e a recuperação da identidade judaica baseada na pureza
ritual e no exclusivismo étnico e religioso.
O
templo
era, sem dúvida, um dos mais importantes elementos de agregação da
comunidade judaica e, por isso, da preservação da sua identidade. Mas essa
identidade estava sendo ameaçada com as afirmações que Jesus fazia sobre si,
sobre Deus e sobre a natureza da relação com Deus. Jesus propunha uma relação
com Deus, na qual a fé e a confiança são determinantes. Fé e confiança como base
de uma relação de amizade sustentável com Deus e entre as pessoas costumam
dispensar normas de pureza e ritos estipulados pela Lei. As pessoas que aderiam
a essa proposta de Jesus passaram a desconsiderar as tradicionais normas de vida
estabelecidas pela centralidade do templo. Isso podia ser entendido como ameaça
à
identidade de diversos grupos no judaísmo.
Nessa
controvérsia acerca dessas duas propostas de viver a fé, o evangelho de João vai
insistir que identidade e coesão da comunidade somente são possíveis em torno do
projeto e da pessoa de Jesus.
A pessoa de Jesus representa, no evangelho, essa nova maneira de
construir a relação com Deus baseada na confiança e na amizade e, assim, de
criar uma nova identidade que não mais depende das exigências de pureza do
templo nem de restrições étnicas e religiosas do judaísmo.
V.27
As
minhas ovelhas conhecem a minha voz, eu as conheço, e elas me
seguem.
Conhecer e seguir: esses dois verbos indicam a profundidade da relação
entre Jesus e as pessoas que em torno dele se congregam. Conhecer não é apenas
algo racional e teórico, mas expressa uma relação existencial, profunda, quase
íntima. Conhecer Jesus significa ter experimentado a presença
do Deus que liberta e dá vida plena. Conhecimento baseado na experiência:
é isso que dá segurança às pessoas e as impulsiona ao seguimento.
Seguir a Jesus significa aderir a seus ensinamentos e suas propostas e
ser cúmplice de seu projeto.
Aderir a essa proposta de relação de confiança com Deus implica vivê-la.
É, portanto, uma decisão pelo discipulado.
V.
28 Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão e ninguém as arrebatará da minha
mão.
Em
meio a um ambiente hostil, onde diversas vozes se levantavam para destruir a
comunidade que começa a se formar, a pessoa de Jesus oferece segurança. As
“ovelhas” ameaçadas pelos que querem dispersá-las podem ter a certeza de que não
irão ao “matadouro”, pois Jesus já as conquistou com a sua vida para a
eternidade. Sua promessa para quem ouvir sua voz e seguir sua proposta é de vida
eterna. Num ambiente hostil, a confiança e a fé tornam-se os elementos
aglutinadores para os seguidores de Jesus. Fé, confiança e vida solidária dão as
forças necessárias para a comunidade continuar resistindo.
V.
29 Meu Pai, que me deu tudo, é maior que todos; e da mão do Pai ninguém pode
arrebatar.
Todas
as pessoas que estão coesas e comprometidas em torno de Jesus podem ficar
tranquilas e seguras, pois é Ele quem nos protege contra a ameaça de cair em
mãos inescrupulosas e escravizadoras. A verdadeira comunidade que segue os
princípios de Cristo não poderá ser arrebatada ou destruída, porque
Deus é mais forte do que tudo e todos. Outra versão também é possível:
Aquilo
que meu Pai me deu é maior do que tudo.
Nesse caso, pensa-se normalmente na autoridade concedida pelo Pai ao filho.
Mas talvez seja possível pensar também na comunidade como o maior bem que Jesus
recebeu de Deus. Esse bem precioso ficará bem guardado sob a proteção de
Deus.
V.
30 Eu e o Pai somos um. Esta
é a afirmação que causa grande escândalo entre os judeus e que faz do
cristianismo uma fé singular: é na humanidade de Jesus de Nazaré que
encontramos Deus em sua concretude e humildade. É na vida, nos
ensinamentos, nas ações, no comportamento, na paixão, na morte e na ressurreição
de Jesus que Deus se revela aos seres humanos. Em e através de
Jesus, Deus se fez presente e se revelou a toda humanidade. Na comunhão
dos que buscam uma vida que se assenta na confiança em Deus e na solidariedade
entre as pessoas, ele continua a manifestar-se ainda hoje.
Ouvir,
conhecer, confiar e seguir são atitudes fundamentais para o discipulado.
Jesus não é um senhor de escravos, que domina, coloca o cabresto ou
prende suas “ovelhas” dentro do curral. Em sua vida mostrou-se como quem está a
serviço dos que o seguem, que se interessa pelo bem estar de suas ovelhas, que
caminha junto com elas e as conduz em e para a liberdade. A sua relação com as
pessoas
está baseada na
confiança e não na
troca de favores ou na manipulação de pessoas em benefício próprio. Em
Jesus, o Deus da vida, da misericórdia e da justiça se manifesta e nos convida a
segui-lo.
A
metáfora das ovelhas representa a vivência coletiva, já que elas não andam
sozinhas, mas em grupo. A imagem nos desperta para olharmos para o outro e para
a outra. Ela nos convida a romper com o individualismo que nos escraviza. Ela
nos chama para a atuação em comunidade, estabelecendo relações de familiaridade,
solidariedade e serviço.
Crer
é aderir à proposta de Cristo. Isso implica seguimento e compromisso.
Talvez a nossa decisão pelo projeto de Jesus possa redundar em conflitos
com mentes prontas e tradições estruturadas. Mas para essas pessoas existe a
promessa de que não serão afastadas da comunhão com Deus porque estão guardadas
em suas mãos.
Reflexão 2:
O
Evangelho deste domingo nos propõe uma imagem que Jesus utilizava frequentemente
para definir a relação entre ele e quem o segue, quem o conhece profundamente. A
imagem é a do pastor e das ovelhas, onde ele é o pastor e nós todos que O
ENCONTRAMOS e O SEGUIMOS somos o rebanho que ele guia.
Mas por que Jesus usa exatamente esta imagem e não outra?
Basta recordar a parábola da ovelhinha perdida ou ainda a
passagem quando Jesus diz que é o Bom Pastor que nunca abandonará as suas
ovelhas como faria facilmente um mercenário?! Em todas estas circunstâncias,
Jesus falava tendo diante de si pessoas que sabiam perfeitamente que tipo de
cansaço e dedicação se requer para guiar um rebanho de ovelhas! Entre as pessoas
que o escutavam, de fato, havia pastores e naquele tempo, o rebanho representava
tudo para o pastor, porque era a única fonte de renda, de sobrevivência.
Durante a noite, os pastores tinham que proteger as ovelhas
dos animais selvagens como os lobos, as raposas, e os ladrões que tentavam
roubá-las; durante o dia, tinham que conduzir o rebanho a boas pastagens, a fim
de que pudessem crescer e alimentar-se com abundância. É uma imagem que era
bastante conhecida e difundida naquela época.
Mas para nós que quase nos desligamos do mundo rural, talvez
seja difícil entender a relação que liga um pastor a seu rebanho. Talvez no
melhor dos casos, poderíamos compreender um pouco quando em casa temos um
cachorro ou um gato de estimação, dos quais cuidamos com carinho e que nos fazem
companhia, mas a diferença é que eles não são essenciais para a nossa
sobrevivência. Seria uma pena perdê-los, mas diferentemente dos pastores do
tempo de Jesus que dependia das suas ovelhas para se sustentar, continuaríamos a
viver normalmente.
Falando exatamente da imagem que nos oferece o Evangelho de
João, é bom refletir também sobre o significado depreciativo às vezes damos à
ovelha. A ovelha normalmente é descrita como sem caráter, como animais que
seguem o patrão sem entender, enfim, muito tolas. Para piorar, as expressões
mais em voga com o termo “ovelha” sempre assumem um significado ofensivo: é
considerada uma ovelha uma pessoa rebelde: “ovelha negra”; ou uma pessoa que é
sem iniciativa, um maria-vai-com-as-outras. Um rebanho de ovelhas é visto como
uma massa anônima onde a personalidade de cada uma desaparece.
Na verdade, a ovelha é um animal dócil. Mas o aspecto que
Jesus sublinha não é somente a docilidade destes animais. As ovelhas, não são
predadoras, não caçam e não têm mecanismos de defesa como os outros animais;
para crescer e se defender, confiam unicamente no seu pastor, para o qual
recordamos são o bem mais precioso! Também embora sejam mansas e dóceis, as
ovelhas sabem identificar aquele que pode salvá-las e que é disposto a vigiar
durante a noite inteira para protegê-las dos perigos, aquele que está disposto a
caminhar quilômetros para buscar pastagens melhores.
O bom pastor conhece cada uma de suas ovelhas, elas não são
anônimas; ele se preocupa por cada uma delas, conta-as quando retornam ao curral
a fim de que nenhuma se perca e se for o caso, deixa as outras para buscar
aquela perdida.
O homem de hoje se sente sempre mais deprimido e frustrado
como pessoa. O que o deprime, sobretudo, é a violência, a brutalidade da vida, a
exploração dos pobres por parte dos ricos, a manipulação política da opinião
pública com a finalidade de ganhar poder. O homem se sente só, contra todos e
tudo, abandonado, perdido... como ovelha sem pastor.
A figura de Jesus como Bom Pastor inverte tudo isto. Jesus
Pastor instaura uma relação pessoal com cada um de nós, relação de amor, de
afeto; uma relação onde não é possível naufragar no anonimato. Ele nos conhece,
nós o conhecemos. Sentimos a presença dele perto de nós em cada instante da
nossa vida, interessado com amor na nossa aventura humana. Nós somos as ovelhas
enfermas, cansadas, abandonadas, objeto para sempre da sua promessa e da sua
bem-aventurança: “elas jamais se perderão”. Por nós, ele está disposto a dar a
sua vida.
É um amor que se manifesta sob a forma de proteção: “ninguém
vai arrancá-las de minha mão. Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que
todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai”. Estamos seguros nos braços de
Jesus e ele, para que nos sintamos ainda mais protegidos, nos põe nas mãos do
Pai. Estamos seguros nos braços do Bom Pastor, que nos conduz com amor. Somos
chamados por Deus pelo nosso verdadeiro nome, assim como só Deus pode nos
chamar: com a voz única de um Deus apaixonado pela sua criatura. As ovelhas
podem escutar a sua voz, porque ele, obviamente, as chama. A voz expressa um
apelo, caracterizado por um timbre pessoal que chama a uma pessoa em particular,
a qual reconhece pela voz de quem a chama.
Portanto, Jesus não quer nos ofender comparando-nos à
ovelhas, mas indicar as qualidades necessárias para permanecer na amizade com
Ele: escutá-lo para poder reconhecer a sua voz, confiar nele e segui-lo seguros
que nos conduzirá onde haverá o melhor para que nós tenhamos vida em
plenitude!
Reflexão 3:
A festa da Páscoa, sob cuja luz ainda vivemos,
prolonga seus ecos para dentro deste domingo, conhecido como o domingo do Bom
Pastor, figura na qual se apresenta o Ressuscitado.
Para compreender a riqueza do pequeno texto do
evangelho de hoje, temos que situá-lo no contexto do capítulo 10 de João. O
evangelista apresenta Jesus passeando pelo templo (23), na festa de sua
consagração, quando é abordado pelas autoridades dos judeus, querendo saber se
ele é verdadeiramente o Messias. Para responder a essa pergunta, o evangelista
volta a usar a alegoria do Bom Pastor com a qual tinha iniciado o
capítulo.
Esta vez o que ressalta é a estreita relação
entre o Pastor e as ovelhas, entre Jesus e seus discípulos e discípulas: "Minhas
ovelhas ouvem a minha voz, eu as conheço, e elas me seguem". O que está na
origem é a palavra de Jesus, quem a acolhe, quem experimenta seu amor
incondicional, se converte em seu amigo, amiga, seu seguidor/a.
Essa experiência de comunhão que os discípulos
vivem com Jesus, desencadeia no seguimento dele, e é nesse seguimento que cresce
a amizade e a intimidade com seu Mestre. Como nós podemos viver essa relação com
Jesus de Nazaré? O homem de carne e osso, com quem fisicamente se podia falar e
a quem se podia escutar, a quem se podia ver e tocar, com quem se podia comer,
já não existe; morreu há mais de dois mil anos! No entanto, é possível viver uma
relação real hoje, porque assim como é verdade que Jesus morreu, também é certo
que ressuscitou. Está vivo!
O bom Pastor é o Ressuscitado: "O Deus da Paz,
que ressuscitou a Jesus nosso Senhor, que é o pastor supremo das ovelhas..." (Hb
13, 20) continua fazendo ouvir sua voz, conhecendo por amor a cada um/a, através
da ação do Espírito. Como os primeiros amigos e amigas, cada cristão/ã de hoje e
de todos os tempos pode viver uma relação direta, de intercâmbio pessoal, de
conhecimento vivo de amor e amizade com Jesus (cfr. Jo 14, 13-15).
O teólogo espanhol Queiruga expressa claramente
esta igualdade de condição com os primeiros cristãos: "Como eles estamos
privados da presença física de Jesus, morto na história, como eles,
encontramo-nos situados na presença transcendente, mas real, do Ressuscitado...
Como Cristo glorioso identificado com o Pai, o Nazareno tem agora um novo modo
de existência; contudo, continua sendo o mesmo: com idêntico amor e idêntica
ternura, com o mesmo cuidado e entrega".
Não vemos nem escutamos Cristo, mas na
fé, sabemos que mais do que nunca está conosco! Iluminados pela sua
ressurreição, somos convidados/as a viver como viveu Jesus antes de sua morte,
sentindo-O como companhia viva, com quem convivemos e quem nos impulsiona a
seguir seus passos no mundo de hoje. Por isso, o seguimento de Jesus não é
imitação, senão um estilo de vida que está interiormente impregnado dos
sentimentos, pensamentos, atitudes de Jesus.
Essa é a obra do Espírito, que continua
cobrindo com sua sombra a história para que homens e mulheres de todos os tempos
façam presente, na sua fragilidade, o Emanuel, Deus conosco!
Essa é a vida eterna, que o Bom Pastor promete
dar a seus amigos/as. É participar, já nesta terra, da comunhão com Ele e com
seu Pai, porque aqueles que acolhem sua palavra serão morada do Pai, do Filho e
do Espírito!
E essa vida de comunhão é mais forte que
qualquer sofrimento, poder, e até da própria morte, como canta o apóstolo em sua
carta aos romanos: "quem nos poderá separar do Amor de Cristo? A tribulação, a
angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada?" (Rom 8,35).
Cientes desta certeza, os seguidores de Jesus
sabiam também, que assumir a causa do Mestre como própria, colocaria em risco
sua vida, (Jo 15,18). E assim, ao longo da história, surgiram diferentes "lobos"
para roubar, matar, destruir, e foram milhões as ovelhas que se converteram em
pastores porque deram livremente sua vida em fidelidade ao Pai e ao seu projeto,
alcançando, assim, para sempre a vida eterna, da qual tinham recebido as
primícias nesta terra! Por isso, não deixa de chamar a atenção que uma
das primeiras pinturas cristãs, de que se tem notícia, e que se encontra numa
catacumba romana, representa Jesus como o Pastor que carrega sobre seus ombros a
ovelha sã e salva. A imagem expressa uma segurança e é garantia de uma
alegria que nada, nem as perseguições, nem as maiores calamidades podem
afetar.
Cada um/a de nós somos convidados/as a viver
esta experiência de comunhão de Jesus com o Pai, a vida eterna. Desse modo,
elevemos nosso olhar para Jesus Bom Pastor e deixemos que ele nos carregue sobre
seus ombros. Só assim teremos forças para oferecer nossos ombros, nossa vida aos
nossos irmãos e irmãs. Só assim seremos pastores como Jesus.
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