Tu sabes, minha filha, para que fim te criou Deus? E se o sabes, como tens podido desviar-te dele tão estranhamente? Certamente te não foi dado esse corpo com sua sensibilidade, seus dons de graça e de beleza, para fazeres dele um instrumento de escândalo e de pecado. Da mesma sorte te não foi dada esta alma, com suas nobres faculdades, inteligência, memória e vontade para estudar as vaidades do século, para conceberes imagens impudicas ou frívolas, para procurares o teu bem nas criaturas em lugar de o procurares no Criador. Ah! que culpável abuso tens feito até ao presente dos benefícios do céu! Tu bem sabes, minha querida filha, para que fim Deus te criou. É para o conheceres, amares, e servires nesta vida, e por esse meio adquerires a glória eterna que te preparou na eternidade. Poderias acaso desejar fim mais nobre e sublime? Poderia Ele, não obstante a sua omnipotência, dar-t'o melhor? Não o tem os principes mais graduados e gloriosos da corte celeste; não o tenho eu mesma. Mas de que modo tens tu correspondido à bondade de Deus? Ah! se queres que eu seja para ti uma verdadeira Mãe, mostra-te para mim uma verdadeira filha: não degeneres dos meus exemplos. Desde o primeiro instante que a minha inteligência se abriu à razão, dediquei-me logo a Deus com a veemência de um coração ardente, e a chama feliz, que neste momento m'o abrasa, não mais se extinguiu. Desde então, o meu pensamento foi fazer a vontade de Deus e tornar-me cada vez mais digna d'Ele. Mas tu, que tens feito? Ah! o teu primeiro desejo foi agradar o mundo, a tua aplicação foi seguir-lhe as máximas e costumes. Não tens conhecido Deus senão para o ofender. Gastaste a infância, que é a mais bela idade, - a idade da inocência - em puerilidades, em preocupações que fazem corar, em desobediências a teus superiores, em desprezo por teus inferiores e iguais. Tens-te deleitado desde então com as modas e vaidades. Tens as seguido sem compreender bem o mal que te acarretam. Fizeste delas um ídolo para conseguires ser tu própria um ídolo dos outros corações. Não sentes confusão alguma à vista de uma vida tão indigna de uma virgem cristã? Não te aflige teres-te desviado tão tristemente do fim para que foste criada?
Que engano é o teu, ó querida filha, se crês achar no mundo a felicidade que sonhas, mesmo quando tudo corresse conforme os teus desejos, as riquezas e grandezas do mundo não podem fazer-te feliz. O teu coração, apto a gozar um bem imutável e infinito, coração criado para um igual bem, nunca poderá estar satisfeito gozando apenas felicidades limitadas e passageiras.
Deixa-te convencer pelo exemplo de tantas pessoas que no mundo vivem no meio de delícias e riquezas. Julga-las felizes, mas se pudesses penetrar com a vista em seus corações e ver a tempestade terrível de aflições, de temores e remorsos que incessantemente lhes agita e tortura a consciência, em vez de lhes invejares a sorte terias piedade de sua desgraça. Quantas têm achado a ruína no meio do mesmo que devia ser-lhes glória! Não, minha filha, o ímpio não pode ter paz verdadeira, nem sincero contentamento. Só uma alma reta e inocente goza na paz do coração as delícias antecipadas do Paraíso. Nenhuma catastrofe as pertuba. Os pecadores, ao contrário, conforto algum podem tirar das consolações terrestres. Não te assuste portanto a penitência, ó milha querida filha, porque só de terrível tem o nome. Acredita-me: as lágrimas daquele que na amargura do seu coração chora as próprias culpas, são mais suaves que a alegria daquele que se inebria com os prazeres da vida. Criada por Deus e para Deus, só n'Ele acharás a paz. Desgraçada da alma que ousa crer que se pode achar coisa alguma melhor que Deus. Cessa pois de armas a vaidade e a mentira e volta-te para aquele que é o único que pode dar-te a paz e fazer a tua verdadeira felicidade.
Demais, ó minha querida, o tempo nada é comparado com a eternidade. Tens de viver eternamente numa alegria soberana, ou na mais terrível dor. Devez habitar para sempre o Paraíso ou o Inferno. Qual será a tua eternidade? Interroga a consciência e ela te responderá. Crês que a moleza em que vives, a dissipação, o afã pelas festas e divertimentos, o desejo de te mostrares, de amar e ser amada, o habito de rir e acompanhar livremente com pessoas das quais até devias evitar o encontro com cuidado, são o caminho que conduz ao céu? Ah! minha filha, eu própria me impuz o dever de proteger a minha inocência por meio do retiro, da modéstia e de uma oração contínua, pela prática de todas as virtudes que devem servir de norma à vida de uma verdadeira serva do Senhor, e tu crer-te-ias segura vivendo no meio de tantos perigos, com tão pouca vigilância e tamanho horror ao sofrimento? Meu próprio Divino Filho subiu ao céu pelo caminho da Cruz, e tu querias persuadir-te que só pode ali chegar pelo caminho dos prazeres?! De que te servirá ter gozado todas as delícias do mundo se te perdes e precipitas num fim de dor eterna para que não foste criada? De que te servirás teres nascido no seio da Igreja, teres sido remida pelo sangue precioso de meu Filho, alimentada por sacramentos divinos, inscrita no livro do filho de Deus, pertenceres à uma nação Cristã, a um povo de eleição, se acabas por te condenar como aqueles que nunca conheceram nem Deus, nem o seu Cristo?
Affectos. Como vossas palavras fortificam meu coração e me esclarecem o espiríto, ó Maria, minha Mãe amabilíssima! Ah! agora conheço quanto tenho andado mal até ao presente e o dever que me obriga a dar-lhe um pronto remédio se não quiser perder o fim para que fui criada. Oh! como as minhas passadas loucuras me confundem! Quanto era insensata em renunciar a Deus e à sua Glória por um bem passageiro e uma vã felicidade! Que desgraçada eu era! Não tinha Deus em conta alguma; só seguia as minhas vontades desregradas e os absurdos caprichos do mundo. Que devo eu esperar senão que Deus me não avalie em nada e me confunde com os seus inimigos? Mas é tempo ainda; vou pois apressar-me, sem perder um momento, e emendar o meu erro. Detesto e aborreço todos os prazeres, encantos, festas e vaidades que tem sido ou serão para mim uma ocasião de ofender o meu Deus. Renuncio de novo a eles, como já tinha renunciado em meu Batismo; em lugar de os procurar, pisa-los-ei aos pés sem medo e valorosamente. Chorarei incessantemente o meu erro. Não pensarei se não em agradar a Deus sem me importar com o que dirá o mundo, servi-lo-hei e amarei de todo o coração para conseguir o meu fim. Valei-me, ó Mãe amabilíssima. Sob a vossa poderosíssima proteção, estou certa de obter o perdão que imploro e de praticar tudo o que tenho resolvido.
Da obra 'Maria Falando ao Coração das Donzelas', traduzido do italiano pelo Abbade A. Bayle.
Livraria Católica Portuense, Porto, 1917.
Livraria Católica Portuense, Porto, 1917.
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