terça-feira, 6 de março de 2012

A esposa do Espírito Santo - Margarida Hulshof

Gostaria de receber uma reflexão sua sobre o título dado à Virgem Maria: “Imaculada Esposa do Espírito Santo”. Alguns contestam o título por não distinguirem o sentido da palavra, que em português induz à confusão. Em outras línguas existem termos distintos para definir a esponsalidade por um lado, e o convívio marital por outro. A Igreja é “Esposa” de Cristo, e Jesus é o “divino Esposo da alma”.                                            
 (Pe. Fabiano Kachel SVD – S. José dos Pinhais/PR.)
De fato, na língua portuguesa as palavras “esposa” e “mulher” são usadas como sinônimos, assim como “esposo” e “marido”. Não existe, como em outras línguas, uma distinção entre o sentido de “esponsalidade” ou o laço de união (aliança) de caráter primordialmente espiritual e ontológico, relacionado principalmente ao compromisso mútuo de amor e de fidelidade que o casal assume, e a relação física, que vem a ser uma consequência e uma expressão dessa união vital, mas está longe de esgotar o seu sentido e o seu conteúdo.
Algumas pessoas me perguntam por que dei ao meu último livro, que trata da Igreja, o título “A Noiva do Cordeiro” e não “A Esposa do Cordeiro”, já que “esposa” é o termo usado na Bíblia. Respondo que o fiz justamente para evitar essa confusão a que o leitor alude; pois, quando a Bíblia se refere à Igreja como “esposa” de Cristo, não o faz com o sentido de uma vida conjugal em andamento (que é como entendemos essa palavra em português), mas sim com o sentido hebraico do compromisso esponsal que Maria tinha com José quando foi visitada pelo anjo: como diz o Evangelho, ela era “desposada” com José, mas ainda não moravam juntos, pois o casamento não tinha sido celebrado (Mt 1,18). No Apocalipse, a “esposa” do Cordeiro é a noiva que está pronta, preparada e enfeitada, esperando a chegada do noivo no dia do casamento (Ap 19,7-9). Este se consumará no fim dos tempos, quando a Igreja, que já é “desposada” com Cristo, estiver totalmente “pronta”, imaculada (purificada pela graça) e enfeitada com as virtudes do seu esposo. O sentido bíblico é de celebração de bodas, e, em nossa língua, a palavra usada nesse contexto é “noiva”, não “esposa”.
No caso de Maria e do Espírito Santo, ainda mais do que no caso de Cristo e da Igreja, trata-se de um matrimônio místico, fundado no mistério de Deus. Aliás, todo matrimônio tem esse sentido místico, e por isso é indissolúvel, e por isso é comparado à união de Cristo com a Igreja (Ef 5,25-32). Por isso é um sacramento, que é tradução da palavra mistério.
O “matrimônio” de Maria com o Espírito Santo se dá num plano ainda mais íntimo, mais espiritual e mais profundo – além de totalmente único e exclusivo. O que não impede que ambos os mistérios estejam intimamente relacionados: Maria é imagem e modelo da Igreja por sua disponibilidade e fidelidade, e é mãe da Igreja-corpo de Cristo por ter dado à luz a cabeça desse corpo. Como disse São Luiz Maria Grignion de Montfort, nenhuma mãe dá à luz apenas a cabeça de seus filhos, mas também o seu corpo, e por isso Maria é também mãe do corpo místico de Cristo, que é a Igreja. Daí a importância da presença de Maria em Pentecostes, quando a Igreja foi gerada no Espírito Santo. Essa presença assinala “o vínculo indissolúvel de Maria com o Espírito, e, por meio do Espírito, com Cristo e com a Igreja” (A. Amato, Dicionário de Mariologia). Ou seja, é por causa de sua íntima e sobrenatural união com o Espírito Santo que Maria é mãe de Cristo, e também da Igreja. Por outro lado, Jesus é o elo que une Maria ao Espírito Santo, não segundo a carne, mas segundo o Espírito .
A Igreja é corpo de Cristo e, ao mesmo tempo, esposa de Cristo – dupla comparação que deixa de parecer contraditória quando nos lembramos de que os esposos são chamados a formar um só corpo, uma só carne (Gn 2,24). Nossa sociedade moderna, que perdeu a dimensão mística do matrimônio, pensa apenas na união física, esquecendo que Deus se refere principalmente à união do ser, à unidade de vida e de identidade, que se faz sempre em Deus e por Deus. Somente em Deus o ser humano encontra seu pleno sentido, e é por isso que a união física, quando separada do pleno compromisso esponsal na dimensão do mistério ou da vocação divina do homem, é uma violência e uma ofensa à dignidade humana – ou seja, um pecado.
Em sua pergunta, o leitor parece ter em mente as hesitações presentes no meio teológico, no sentido de reconhecer oficialmente o título de “Esposa do Espírito Santo”, atribuído a Maria por muitos santos e doutores em mariologia antigos e modernos, entre eles São Francisco de Assis, São Luís de Montfort, Santo Afonso de Ligório, São Maximiliano Kolbe e Raniero Cantalamessa .
Tal título se fundamenta, obviamente, no fato de que a encarnação de Jesus aconteceu pela ação do Espírito Santo, que se uniu a Maria de forma tão íntima a ponto de gerar nela o milagre da humanidade de Jesus. Apesar do evidente caráter “esponsal” dessa ligação, as hesitações parecem basear-se no fato de que Maria era também, inegavelmente, esposa de José, ainda que ambos vivessem em castidade.
Para resolver esse dilema, basta aceitar que Maria foi esposa de José na ordem jurídica e temporal, mas é esposa do Espírito Santo na ordem sobrenatural... São dois planos diferentes, que não se misturam, e por isso mesmo não se excluem.
Outro motivo para a reserva dos teólogos é o risco de causar confusão na mente dos fiéis, fazendo-os pensar, talvez, que o Espírito Santo tenha infundido em Maria algo de sua substância própria, a qual, unida à humanidade de Maria, teria gerado a humanidade de Jesus. Na verdade, o Espírito Santo não é o “pai” de Jesus, pois toda a humanidade de Jesus foi formada unicamente por Maria. A ação do Espírito Santo em Maria consistiu em realizar nela o milagre da encarnação, possibilitando – graças à abertura e disponibilidade dela – que essa geração sobrenatural acontecesse.
Já vi um exemplo desse tipo de confusão quando, anos atrás, um leitor escreveu perguntando quem era, afinal, o pai de Jesus, se Deus-Pai ou o Espírito Santo... É difícil, para as pessoas, abstrair das limitações terrenas e entender que, no plano sobrenatural, as coisas não obedecem aos mesmos parâmetros. Por isso a Encarnação, como a Trindade, é um Mistério... porque vai muito além daquilo que conhecemos e sabemos explicar. Não é algo oculto – pois nos foi revelado – mas precisa ser aceito pela fé, que ultrapassa e completa a razão.
O pai de Jesus, como sabemos, é Deus-Pai – embora também saibamos que as três Pessoas da Trindade sempre agem juntas, e que as atribuições específicas de cada uma são definidas principalmente por razões pedagógicas, para facilitar a compreensão. Em sua humanidade Jesus não tem pai, apenas mãe. Mas, independentemente desses detalhes, o caráter esponsal da união entre Maria e o Espírito Santo é unanimemente reconhecido... mesmo que, oficialmente, ainda se prefira usar outros termos para expressar esse mistério. 

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