Também vós
deveis lavar os pés uns dos outros.
João 13,1-15
1 Antes da festa da Páscoa.Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai;tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.2 Estavam tomando a ceia. O diabo já tinha posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, o propósito de entregar Jesus.3 Jesus, sabendo que o Pai tinha colocado tudo em suasmãos e que de Deus tinha saído e para Deus voltava,4 levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura.5 Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos,enxugando-os com a toalha com que estava cingido.6 Chegou a vez de Simão Pedro. Pedro disse: 'Senhor, tu, me lavas os pés?'7 Respondeu Jesus: 'Agora, não entendes o que estou fazendo;mais tarde compreenderás.'
8 Disse-lhe Pedro: 'Tu nunca me lavarás os pés!'Mas Jesus respondeu: 'Se eu não te lavar, não terás parte comigo'.
9 Simão Pedro disse:'Senhor, então lava não somente os meus pés, mas também as mãos e a cabeça.'10 Jesus respondeu: 'Quem já se banhou não precisa lavar senão os pés,
porque já está todo limpo. Também vós estais limpos, mas não todos.'
11 Jesus sabia quem o ia entregar; por isso disse: 'Nem todos estais limpos.'12 Depois de ter lavado os pés dos discípulos,Jesus vestiu o manto e sentou-se de novo.E disse aos discípulos: 'Compreendeis o que acabo de fazer?'
13 Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou.
14 Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés,também vós deveis lavar os pés uns dos outros.
15 Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz.
Reflexão
Por acaso em
nossas famílias, celebram-se aniversários de grandes tragédias? Que mãe iria
querer celebrar com os familiares e amigos, o dia em que seu filho foi preso,
condenado injustamente e passou por uma morte vergonhosa e extremamente
humilhante ? Coisas assim, a gente quer esquecer, apagar da memória para
sempre…
Na última
Ceia, Jesus está dizendo aos seus discípulos que Ele quer que o seu sacrifício,
a sua paixão e morte na cruz, seja sempre lembrada em um ritual. Atentemos para
um detalhe dos sinóticos isto é, são os três evangelistas muito parecidos no que
ele escrevem. São eles os Evangelhos segundo Mateus, Marcos e Lucas. "Jesus
partiu o pão e o deu a seus discípulos dizendo, tomai e comei pois este é o meu
corpo…” e no escrito paulino, (Leia ICor 11,23-26). Foi o que sobrou de Jesus na
cruz do calvário: seu corpo, massacrado, despedaçado, sem nenhuma vida. Comer o
corpo de um morto e lembrar sempre do jeito que ele morreu. Pense que escândalo
para os Judeus!
João toma
outro rumo em sua reflexão com as comunidades do seu tempo: Aquele ritual,
aquela celebração tem algo de grandioso e belo por trás de tudo. Ser rebaixado
no último degrau do ser humano, aniquilar-se e deixar esmagar-se, dar o corpo, a
vida e o sangue, até a última gota, esse era o Serviço que Jesus prestava a
todos nós. Lavou-nos não só os pés, mas todo o nosso ser, passando por esse
banho da regeneração. Aquele que sentou com Jesus à mesa, e continua a sentar-se
hoje aquele que ouve a sua palavra e a guarda em seu coração, compreende o
Mistério do Cristo em nós.
Pois bem,
devemos ter força e humildade para também rebaixar-se diante de todos, ser o
último, só para poder servir. Quando pensamos em nossa importância, no cargo que
ocupamos, nem precisa ser tão grande assim. Por exemplo, a função do pai de
família ou a mãe, entre outros cargos que servimos na Igreja, na função que
exercemos, é difícil servir o irmão ou a irmã, que precisa de nós. Muitas vezes
temos que nos deixa curvar diante do outro, queremos servir, mas do nosso jeito
cheio de restrição. E isto não vale… Por isso contemplemos, nesse evangelho de
João, o sentido real do servir de Jesus, que não leva em conta o que Ele é:
Grandioso, Onipotente, Poderoso, Onipresente e Onisciente, mas que se abaixa
diante do ser humano, para lavar-lhes os pés. Muitas vezes como Pedro (leia
Jo13,6-8), não aceitamos a idéia de um Deus que se rebaixa para servir, pois
observe que este serviço de lavar os pés era o serviço, que o escravo fazia ao
seu senhor por isso que Pedro de início não aceitou. Pedro ainda precisava
caminhar mais para aceitar tamanho ensinamento do Mestre. Jesus dá a este
serviço precisamente uma dimensão maior e primordial: Nós é que devemos nos
rebaixar diante Dele e dos irmãos precisamente…Exatamente isso, só que esse Deus
manifestado em Jesus está sempre bem escondido, mas real na vida dos irmãos e
irmãs a quem devemos servir, e que o Senhor coloca diante de nós.
Obrigado,
Senhor, por nos sugerir tamanho gesto entre outros de acordo com o tempo e a
realidade vivida na comunidade, tendo como luz o seu próprio testemunho: SERVIR
O IRMÃO!.
Jesus se apresenta como servidor do povo.
Lavando os pés das pessoas deu-lhes a extrema prova do seu amor. Veio para
servir e não para ser servido (João 13,1-17). É necessário abrir os olhos para
ver Jesus...
O povo repete até hoje: “Quem não vive para
servir, não serve para viver!” Este era também o lema de Jesus. Ele dizia: “Não
vim para ser servido, mas para servir” (Mc 10,45). Quando os discípulos brigavam
pelo primeiro lugar ou quando alguns deles queriam ser mais importantes que os
outros, ele chamava a atenção e dizia: “Quem quiser ser o primeiro deve ser o
servidor de todos” (Mc 9,35). Não é fácil servir! Judas ia trair Jesus. Mesmo
assim, Jesus lavou os pés de Judas. Ele mesmo, quando o povo queria fazer dele
um rei, fugiu para a montanha e não quis saber (Jo 6,14). Foi o que São Paulo
lembrou quando dizia que Jesus podia gloriar-se do seu título de filho de Deus,
mas em vez disso se fez servidor de todos (Fil 2,6-7). Nós temos a festa de
Cristo Rei, mas não temos a festa de Cristo servidor. É pena!
Vamos refletir sobre isto:
1. Por que é tão difícil servir aos outros? Conta
algo da sua experiência.
2. Temos uma festa de Cristo Rei e não temos
uma festa de Jesus Servidor. Como entender isso?
No tempo de Jesus, as autoridades religiosas ensinavam ao povo que o Messias devia ser glorioso e vencedor. Elas não se lembravam da profecia de Isaías que falava de um Messias Servidor (Is 42,1-9). Vamos ouvir um texto em que Jesus se apresenta não como glorioso vencedor mas como o servidor de todos. Durante a leitura, vamos ficar com esta pergunta na cabeça: “Em que consiste exatamente o serviço que Jesus quer prestar ao povo?”
No tempo de Jesus, as autoridades religiosas ensinavam ao povo que o Messias devia ser glorioso e vencedor. Elas não se lembravam da profecia de Isaías que falava de um Messias Servidor (Is 42,1-9). Vamos ouvir um texto em que Jesus se apresenta não como glorioso vencedor mas como o servidor de todos. Durante a leitura, vamos ficar com esta pergunta na cabeça: “Em que consiste exatamente o serviço que Jesus quer prestar ao povo?”
Jesus, o Servo de Javé.
Naquele tempo, havia entre os judeus uma grande variedade de expectativas messiânicas. De acordo com as diferentes interpretações das profecias, havia gente que esperava um Messias Rei (Mc 15,9.32), um Messias Santo ou Sumo Sacerdote (Mc 1,24), um Messias Guerrilheiro subversivo (Lc 23,5; Mc 15,6; 13,6-8), um Messias Doutor (Jo 4,25; Mc 1,22.27), um Messias Juiz (Lc 3,5-9; Mc 1,8) ou um Messias Profeta (Mc 6,4; 14,65). Cada um, conforme os seus próprios interesses ou classe social, encaixava o messias nos seus próprios desejos e expectativas. Mas por mais diferentes que fossem aquelas expectativas, todas elas concordavam numa coisa: o messias seria forte, glorioso e vencedor.
Ao que tudo indica, ninguém se lembrava do Messias Servidor tal como tinha sido anunciado pelo profeta Isaías. Somente os pobres souberam valorizar a esperança messiânica como um serviço do povo de Deus à humanidade. Maria, a pobre de Javé, disse ao anjo: “Eis aqui a serva do Senhor!” Foi de Maria, sua mãe, que Jesus aprendeu o caminho do serviço. Nas três vezes em que ele anunciou sua paixão, morte e ressurreição, Jesus se orientou pela profecia do Servo de Javé, tal como transparece nos quatro cânticos do livro de Isaías, e a aplicou a si mesmo (Mc 8,31; 9,31; 10,33).
A origem daqueles quatro cânticos do Servo de Javé (Is 42,1-9; 49,1-6; 50,4-9; 52,13 a 53,12) remonta ao grupo dos discípulos e discípulas de Isaías que viviam no cativeiro da Babilônia em torno de 550 antes de Cristo. No livro de Isaías, a figura do Servo de Javé indica não um indivíduo, mas sim o povo do cativeiro (Is 41,8-9; 42,18-20; 43,10; 44,1-2; 44,21; 45,4; 48,20; 54,17), descrito pelo profeta como um povo “oprimido, sofredor, desfigurado, sem aparência de gente e sem um mínimo de condição humana, povo explorado, maltratado e silenciado, sem graça nem beleza, cheio de sofrimento, evitado pelos outros como se fosse um leproso, condenado como um criminoso, sem julgamento nem defesa” (cf. Is 53,2-8). Retrato perfeito de uma grande parte da humanidade, até hoje!
Deste povo-servo se dizia: “Ele não grita, nem levanta a voz, não solta berros pelas ruas, não quebra a planta machucada, nem apaga o pavio de vela que ainda solta fumaça” (Is 42,2). Ou seja, perseguido, não perseguia; oprimido, não oprimia; machucado, não machucava. Nele o vírus da violência opressora do império da Babilônia não conseguiu penetrar. Pelo contrário, ele promovia o direito e a justiça (Is 42,3.6). Esta atitude resistente do povo-servo é a semente da justiça que Deus quer ver implantada no mundo todo. Por isso, Deus chama esse povo para ser o seu Servo com a missão de irradiar a justiça de Deus e ser a “Luz do Mundo” (Is 42,2.6; 49,6).
Os quatro cânticos do Servo são uma espécie de cartilha para ajudar o povo oprimido, tanto de ontem como de hoje, a descobrir e assumir sua missão. Jesus conhecia estes cânticos e por eles se orientou. O primeiro cântico (Is 42,1-9) descreve como Deus chama o povo a ser o seu Servo e realizar a justiça no mundo inteiro. O segundo cântico (Is 49,1-6) descreve como foi difícil para aquele povo exilado e marginalizado acreditar na sua vocação de Servo. No terceiro cântico (Is 50,4-9), o Servo conta como ele, apesar do sofrimento, está realizando a sua missão. O quarto cântico (Is 52,13 a 53,12) descreve o futuro deste Servo: fiel a sua missão, ele vai entregar sua vida pelos outros e Deus vai confirmá-lo como seu servo. Morte e ressurreição!
Jesus percorreu o caminho dos quatro passos do serviço, indicados por Isaías. Na hora do batismo no rio Jordão, o Pai o apresentou como o seu servo e o enviou para a missão (Mc 1,11). Na sinagoga de Nazaré, ao expor seu programa ao povo da sua terra, Jesus assumiu esta missão publicamente (Lc 4,16-21). A partir daquele momento, ele começou a andar pela Galiléia para ajudar o povo a descobrir e assumir, junto com ele, a missão de Servo de Deus. No fim da sua vida, durante a última ceia, Jesus lavou os pés dos seus discípulos. Até o fim, perseverou na atitude de Servo de Deus. Eis alguns episódios em que transparece mais forte esta atitude de serviço em Jesus:
* Lava-pés
* Cura dos doentes
* Alimenta o povo faminto
* Conversa com o povo e consola os tristes
* Acolhe os excluídos e dá um lugar para eles
* Ensina o povo as coisas do Reino de Deus
* Defende os pequenos quando são criticados
* Faz o povo participar
Através desta sua atitude de serviço, Jesus nos revela a face de Deus que nos atrai e nos indica o caminho de volta para a casa do Pai. A sua vida é o melhor comentário dos quatro cânticos de Isaías.
Para um
confronto pessoal
1. O que mais chamou a sua atenção no texto ou de que você mais gostou? Por quê?
2. Conforme as palavras do texto, em que consiste exatamente o serviço que Jesus quer prestar ao povo?
3. Como entender a reação de Pedro e a resposta dura de Jesus?
4. O que deve mudar no meu modo de pensar sobre Jesus?
1. O que mais chamou a sua atenção no texto ou de que você mais gostou? Por quê?
2. Conforme as palavras do texto, em que consiste exatamente o serviço que Jesus quer prestar ao povo?
3. Como entender a reação de Pedro e a resposta dura de Jesus?
4. O que deve mudar no meu modo de pensar sobre Jesus?
Homilia Bento
XVI - Santa Missa da Ceia do Senhor - 05/04/2012
Basílica de São João de Latrão
Basílica de São João de Latrão
Amados irmãos e
irmãs!
A Quinta-feira Santa não é apenas o dia da instituição da Santíssima Eucaristia, cujo esplendor se estende sem dúvida sobre tudo o mais, tudo atraindo, por assim dizer, para dentro dela. Faz parte da Quinta-feira Santa também a noite escura do Monte das Oliveiras, nela Se embrenhando Jesus com os seus discípulos; faz parte dela a solidão e o abandono vivido por Jesus, que, rezando, vai ao encontro da escuridão da morte; faz parte dela a traição de Judas e a prisão de Jesus, bem como a negação de Pedro; e ainda a acusação diante do Sinédrio e a entrega aos pagãos, a Pilatos. Nesta hora, procuremos compreender mais profundamente alguma coisa destes acontecimentos, porque neles se realiza o mistério da nossa Redenção.
Jesus embrenha-se na noite. A noite significa falta de comunicação, uma situação em que não nos vemos um ao outro. É um símbolo da não compreensão, do obscurecimento da verdade. É o espaço onde o mal, que em presença da luz tem de se esconder, pode desenvolver-se. O próprio Jesus – que é a luz e a verdade, a comunicação, a pureza e a bondade – entra na noite. Esta, em última análise, é símbolo da morte, da perda definitiva de comunhão e de vida. Jesus entra na noite para a superar, inaugurando o novo dia de Deus na história da humanidade.
Pelo caminho, Jesus cantou com os seus discípulos os Salmos da libertação e redenção de Israel, que evocavam a primeira Páscoa no Egito, a noite da libertação. Chegado ao destino Ele, como faz habitualmente, vai rezar sozinho e, como Filho, falar com o Pai. Mas, diversamente do que é costume, quer ter perto de Si três discípulos: Pedro, Tiago e João; são os mesmos três que viveram a experiência da sua Transfiguração – viram transparecer, luminosa, a glória de Deus através da sua figura humana – , tendo-O visto no centro da Lei e dos Profetas, entre Moisés e Elias. Ouviram-No falar, com ambos, acerca do seu «êxodo» em Jerusalém. O êxodo de Jesus em Jerusalém: que palavra misteriosa! No êxodo de Israel do Egito, dera-se o acontecimento da fuga e da libertação do povo de Deus. Que aspecto deveria ter o êxodo de Jesus, para que nele se cumprisse, de modo definitivo, o sentido daquele drama histórico? Agora os discípulos tornavam-se testemunhas do primeiro trecho de tal êxodo – a humilhação extrema –, mas que era o passo essencial da saída para a liberdade e a vida nova, que o êxodo tem em vista. Os discípulos, cuja proximidade Jesus pretendeu naquela hora de ânsia extrema como elemento de apoio humano, depressa se adormentaram. Todavia ainda ouviram alguns fragmentos das palavras ditas em oração por Jesus e observaram o seu comportamento. Estas duas coisas gravam-se profundamente no espírito deles, que depois as transmitiram aos cristãos para sempre. Jesus chama a Deus «Abbá»; isto significa – como eles adiantam – «Pai». Não é, porém, a forma usual para dizer «pai», mas uma palavra própria da linguagem das crianças, ou seja, uma palavra meiga que ninguém ousaria aplicar a Deus. É a linguagem d’Aquele que é verdadeiramente «criança», Filho do Pai, d’Aquele que vive em comunhão com Deus, na unidade mais profunda com Ele.
Se nos perguntássemos qual era o elemento mais característico da figura de Jesus nos Evangelhos, temos de dizer: a sua relação com Deus. Ele está sempre em comunhão com Deus; estar com o Pai é o núcleo da sua personalidade. Através de Cristo, conhecemos verdadeiramente Deus. «A Deus jamais alguém O viu»: diz São João. Aquele que «está no seio do Pai (…) O deu a conhecer» (1, 18). Agora conhecemos Deus, como Ele é verdadeiramente: Ele é Pai; e Pai com uma bondade absoluta, à qual nos podemos confiar. O evangelista Marcos, que conservou as recordações de São Pedro, narra que Jesus, depois da invocação «Abbá», acrescentou: Tudo Te é possível; Tu podes tudo (cf. 14, 36). Aquele que é a Bondade, ao mesmo tempo é poder, é omnipotente. O poder é bondade e a bondade é poder. Esta confiança podemos aprendê-la a partir da oração de Jesus no Monte das Oliveiras.
Antes de reflectir sobre o conteúdo da súplica de Jesus, devemos ainda fixar a nossa atenção sobre o que os evangelistas nos referem a propósito do comportamento d’Ele durante a sua oração. Mateus e Marcos dizem-nos que «caiu com a face por terra» (Mt 26, 39; cf. Mc 14, 35), assumindo por conseguinte a posição de submissão total, como se manteve na liturgia romana de Sexta-feira Santa. Lucas, por sua vez, diz-nos que Jesus rezava de joelhos. Nos Atos dos Apóstolos, fala da oração de joelhos feita pelos santos: Estêvão durante a sua lapidação, Pedro no contexto da ressurreição de um morto, Paulo a caminho do martírio. Assim Lucas redigiu uma pequena história da oração feita de joelhos na Igreja nascente. Ajoelhando-se, os cristãos entram na oração de Jesus no Monte das Oliveiras. Ameaçados pelo poder do mal, eles ajoelham: permanecem de pé frente ao mundo, mas, enquanto filhos, estão de joelhos diante do Pai. Diante da glória de Deus, nós, cristãos, ajoelhamo-nos reconhecendo a sua divindade; mas, com tal gesto, exprimimos também a nossa confiança de que Ele vence.
Jesus luta com o Pai: melhor, luta consigo mesmo; e luta por nós. Sente angústia frente ao poder da morte. Este sentimento é, antes de mais nada, a turvação que prova o homem, e mesmo toda a criatura viva, em presença da morte. Mas, em Jesus, trata-se de algo mais. Ele estende o olhar pelas noites do mal; e vê a maré torpe de toda a mentira e infâmia que vem ao seu encontro naquele cálice que deve beber. É a turvação sentida pelo totalmente Puro e Santo frente à torrente do mal que inunda este mundo e que se lança sobre Ele. Vê-me também a mim, e reza por mim. Assim este momento da angústia mortal de Jesus é um elemento essencial no processo da Redenção; de fato, a Carta aos Hebreus qualificou a luta de Jesus no Monte das Oliveiras como um acontecimento sacerdotal. Nesta oração de Jesus, permeada de angústia mortal, o Senhor cumpre a função do sacerdotes: toma sobre Si o pecado da humanidade, toma a todos nós e leva-nos para junto do Pai.
Por último, devemos debruçar-nos sobre o conteúdo da oração de Jesus no Monte das Oliveiras. Jesus diz: «Pai, tudo Te é possível; afasta de Mim este cálice! Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres» (Mc 14, 36). A vontade natural do Homem Jesus recua, assustada, perante uma realidade tão monstruosa; pede que isso Lhe seja poupado. Todavia, enquanto Filho, depõe esta vontade humana na vontade do Pai: não Eu, mas Tu. E assim Ele transformou a atitude de Adão, o pecado primordial do homem, curando deste modo o homem. A atitude de Adão fora: Não o que quiseste Tu, ó Deus; eu mesmo quero ser deus. Esta soberba é a verdadeira essência do pecado. Pensamos que só poderemos ser livres e verdadeiramente nós mesmos, se seguirmos exclusivamente a nossa vontade. Vemos Deus como contrário à nossa liberdade. Devemos libertar-nos d’Ele – isto é todo o nosso pensar –; só então seremos livres. Tal é a rebelião fundamental, que permeia a história, e a mentira de fundo que desnatura a nossa vida. Quando o homem se põe contra Deus, põe-se contra a sua própria verdade e, por conseguinte, não fica livre mas alienado de si mesmo. Só somos livres, se permanecermos na nossa verdade, se estivermos unidos a Deus. Então tornamo-nos verdadeiramente «como Deus»; mas não opondo-nos a Deus, desfazendo-nos d’Ele ou negando-O. Na luta da oração no Monte das Oliveiras, Jesus desfez a falsa contradição entre obediência e liberdade, e abriu o caminho para a liberdade. Peçamos ao Senhor que nos introduza neste «sim» à vontade de Deus, tornando-nos deste modo verdadeiramente livres. Amém.
A Quinta-feira Santa não é apenas o dia da instituição da Santíssima Eucaristia, cujo esplendor se estende sem dúvida sobre tudo o mais, tudo atraindo, por assim dizer, para dentro dela. Faz parte da Quinta-feira Santa também a noite escura do Monte das Oliveiras, nela Se embrenhando Jesus com os seus discípulos; faz parte dela a solidão e o abandono vivido por Jesus, que, rezando, vai ao encontro da escuridão da morte; faz parte dela a traição de Judas e a prisão de Jesus, bem como a negação de Pedro; e ainda a acusação diante do Sinédrio e a entrega aos pagãos, a Pilatos. Nesta hora, procuremos compreender mais profundamente alguma coisa destes acontecimentos, porque neles se realiza o mistério da nossa Redenção.
Jesus embrenha-se na noite. A noite significa falta de comunicação, uma situação em que não nos vemos um ao outro. É um símbolo da não compreensão, do obscurecimento da verdade. É o espaço onde o mal, que em presença da luz tem de se esconder, pode desenvolver-se. O próprio Jesus – que é a luz e a verdade, a comunicação, a pureza e a bondade – entra na noite. Esta, em última análise, é símbolo da morte, da perda definitiva de comunhão e de vida. Jesus entra na noite para a superar, inaugurando o novo dia de Deus na história da humanidade.
Pelo caminho, Jesus cantou com os seus discípulos os Salmos da libertação e redenção de Israel, que evocavam a primeira Páscoa no Egito, a noite da libertação. Chegado ao destino Ele, como faz habitualmente, vai rezar sozinho e, como Filho, falar com o Pai. Mas, diversamente do que é costume, quer ter perto de Si três discípulos: Pedro, Tiago e João; são os mesmos três que viveram a experiência da sua Transfiguração – viram transparecer, luminosa, a glória de Deus através da sua figura humana – , tendo-O visto no centro da Lei e dos Profetas, entre Moisés e Elias. Ouviram-No falar, com ambos, acerca do seu «êxodo» em Jerusalém. O êxodo de Jesus em Jerusalém: que palavra misteriosa! No êxodo de Israel do Egito, dera-se o acontecimento da fuga e da libertação do povo de Deus. Que aspecto deveria ter o êxodo de Jesus, para que nele se cumprisse, de modo definitivo, o sentido daquele drama histórico? Agora os discípulos tornavam-se testemunhas do primeiro trecho de tal êxodo – a humilhação extrema –, mas que era o passo essencial da saída para a liberdade e a vida nova, que o êxodo tem em vista. Os discípulos, cuja proximidade Jesus pretendeu naquela hora de ânsia extrema como elemento de apoio humano, depressa se adormentaram. Todavia ainda ouviram alguns fragmentos das palavras ditas em oração por Jesus e observaram o seu comportamento. Estas duas coisas gravam-se profundamente no espírito deles, que depois as transmitiram aos cristãos para sempre. Jesus chama a Deus «Abbá»; isto significa – como eles adiantam – «Pai». Não é, porém, a forma usual para dizer «pai», mas uma palavra própria da linguagem das crianças, ou seja, uma palavra meiga que ninguém ousaria aplicar a Deus. É a linguagem d’Aquele que é verdadeiramente «criança», Filho do Pai, d’Aquele que vive em comunhão com Deus, na unidade mais profunda com Ele.
Se nos perguntássemos qual era o elemento mais característico da figura de Jesus nos Evangelhos, temos de dizer: a sua relação com Deus. Ele está sempre em comunhão com Deus; estar com o Pai é o núcleo da sua personalidade. Através de Cristo, conhecemos verdadeiramente Deus. «A Deus jamais alguém O viu»: diz São João. Aquele que «está no seio do Pai (…) O deu a conhecer» (1, 18). Agora conhecemos Deus, como Ele é verdadeiramente: Ele é Pai; e Pai com uma bondade absoluta, à qual nos podemos confiar. O evangelista Marcos, que conservou as recordações de São Pedro, narra que Jesus, depois da invocação «Abbá», acrescentou: Tudo Te é possível; Tu podes tudo (cf. 14, 36). Aquele que é a Bondade, ao mesmo tempo é poder, é omnipotente. O poder é bondade e a bondade é poder. Esta confiança podemos aprendê-la a partir da oração de Jesus no Monte das Oliveiras.
Antes de reflectir sobre o conteúdo da súplica de Jesus, devemos ainda fixar a nossa atenção sobre o que os evangelistas nos referem a propósito do comportamento d’Ele durante a sua oração. Mateus e Marcos dizem-nos que «caiu com a face por terra» (Mt 26, 39; cf. Mc 14, 35), assumindo por conseguinte a posição de submissão total, como se manteve na liturgia romana de Sexta-feira Santa. Lucas, por sua vez, diz-nos que Jesus rezava de joelhos. Nos Atos dos Apóstolos, fala da oração de joelhos feita pelos santos: Estêvão durante a sua lapidação, Pedro no contexto da ressurreição de um morto, Paulo a caminho do martírio. Assim Lucas redigiu uma pequena história da oração feita de joelhos na Igreja nascente. Ajoelhando-se, os cristãos entram na oração de Jesus no Monte das Oliveiras. Ameaçados pelo poder do mal, eles ajoelham: permanecem de pé frente ao mundo, mas, enquanto filhos, estão de joelhos diante do Pai. Diante da glória de Deus, nós, cristãos, ajoelhamo-nos reconhecendo a sua divindade; mas, com tal gesto, exprimimos também a nossa confiança de que Ele vence.
Jesus luta com o Pai: melhor, luta consigo mesmo; e luta por nós. Sente angústia frente ao poder da morte. Este sentimento é, antes de mais nada, a turvação que prova o homem, e mesmo toda a criatura viva, em presença da morte. Mas, em Jesus, trata-se de algo mais. Ele estende o olhar pelas noites do mal; e vê a maré torpe de toda a mentira e infâmia que vem ao seu encontro naquele cálice que deve beber. É a turvação sentida pelo totalmente Puro e Santo frente à torrente do mal que inunda este mundo e que se lança sobre Ele. Vê-me também a mim, e reza por mim. Assim este momento da angústia mortal de Jesus é um elemento essencial no processo da Redenção; de fato, a Carta aos Hebreus qualificou a luta de Jesus no Monte das Oliveiras como um acontecimento sacerdotal. Nesta oração de Jesus, permeada de angústia mortal, o Senhor cumpre a função do sacerdotes: toma sobre Si o pecado da humanidade, toma a todos nós e leva-nos para junto do Pai.
Por último, devemos debruçar-nos sobre o conteúdo da oração de Jesus no Monte das Oliveiras. Jesus diz: «Pai, tudo Te é possível; afasta de Mim este cálice! Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres» (Mc 14, 36). A vontade natural do Homem Jesus recua, assustada, perante uma realidade tão monstruosa; pede que isso Lhe seja poupado. Todavia, enquanto Filho, depõe esta vontade humana na vontade do Pai: não Eu, mas Tu. E assim Ele transformou a atitude de Adão, o pecado primordial do homem, curando deste modo o homem. A atitude de Adão fora: Não o que quiseste Tu, ó Deus; eu mesmo quero ser deus. Esta soberba é a verdadeira essência do pecado. Pensamos que só poderemos ser livres e verdadeiramente nós mesmos, se seguirmos exclusivamente a nossa vontade. Vemos Deus como contrário à nossa liberdade. Devemos libertar-nos d’Ele – isto é todo o nosso pensar –; só então seremos livres. Tal é a rebelião fundamental, que permeia a história, e a mentira de fundo que desnatura a nossa vida. Quando o homem se põe contra Deus, põe-se contra a sua própria verdade e, por conseguinte, não fica livre mas alienado de si mesmo. Só somos livres, se permanecermos na nossa verdade, se estivermos unidos a Deus. Então tornamo-nos verdadeiramente «como Deus»; mas não opondo-nos a Deus, desfazendo-nos d’Ele ou negando-O. Na luta da oração no Monte das Oliveiras, Jesus desfez a falsa contradição entre obediência e liberdade, e abriu o caminho para a liberdade. Peçamos ao Senhor que nos introduza neste «sim» à vontade de Deus, tornando-nos deste modo verdadeiramente livres. Amém.
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