segunda-feira, 18 de julho de 2011

A pior discriminação sexual: eliminação de meninas

Novo livro detalha a prática do aborto seletivo


Por padre John Flynn, L. C.
ROMA, domingo, 17 de julho de 2011 (ZENIT.org) – A discriminação sexual não se limita ao mundo ocupacional. Em muitos países, meninas ainda nem nascidas têm um destino já traçado: a eliminação.
A jornalista Mara Hvistendahl analisa os motivos e o alcance dessa prática em Unnatural Selection: Choosing Boys Over Girls, And the Consequences of a World Full of Men [Seleção não natural: a preferência por meninos e as consequências de um mundo cheio de homens].
Nascem no mundo 105 meninos para cada 100 meninas. Os homens têm mais probabilidades de morrer jovens, o que faz com que esse ligeiro desajuste nos nascimentos acabe chegando a um equilíbrio populacional entre os adultos. Os dados citados no livro revelam a dramática situação da China e da Índia, onde o nível atual de nascimentos masculinos atinge 121 e 112, respectivamente, para cada 100 meninas.
Em 2005, o demógrafo francês Christophe Guilmoto calculava que, se a proporção de nascimentos tivesse permanecido em seu nível natural, o continente asiático teria chegado a 163 milhões de mulheres a mais. Esta cifra é superior a toda a população feminina dos Estados Unidos, observa Hvistendahl.
Não é só um problema da Ásia. Segundo o livro, a mesma tendência está presente no Cáucaso – Azerbaijão, Geórgia e Armênia – e nos Bálcãs.
A redução do número de mulheres está ocorrendo justo quando o crescimento da população vem se reduzindo drasticamente. A geração atual é a mais numerosa de todas as que muitos países em desenvolvimento vão ter nas próximas (muitas) décadas.
É uma geração que nasce num momento em que muitos países que sofrem o desequilíbrio artificial de gêneros melhoraram seu nível de vida de modo notável. Os analistas de ciências sociais sempre assumiram que as perspectivas das mulheres melhorariam quando os países enriquecessem, mas aconteceu o contrário.
Elementos ideológicos
Esta suposição cegou os demógrafos diante do que estava ocorrendo, observa Hvistendahl. Apesar do surgimento de máquinas de ultrassom baratas para as ecografias, muitos assumiram que o aborto seletivo logo desapareceria. Mesmo hoje, as previsões de população das Nações Unidas assumem que os casais terão em breve um número igual de meninos e de meninas.
Um dos temas principais do livro de Hvistendahl é a tentativa de achar as causas do desequilíbrio. Ao contrário de outros, que destacam a tradicional preferência cultural pelos meninos como o principal fator, ela aponta fatores adicionais, como a pressão para controlar a população.
As pessoas de quase todas as culturas têm preferência por filhos meninos, e, mesmo assim, a seleção sexual não acontece em todas as culturas.
Existe, também, uma forte correlação entre os países que mudaram recentemente a tendência de alta para baixa fertilidade e um significativo número de meninas não nascidas.
Nas últimas décadas, o movimento de controle populacional transformou as pessoas em números, e os pais foram incentivados, nos países em desenvolvimento, a ter famílias pequenas. A ideia de controlar a reprodução levou à mentalidade de que os meninos são uma espécie de produto manufaturado, explica a autora.
A partir dos anos sessenta, as elites empresariais e culturais dos Estados Unidos começaram a pressionar a favor do controle populacional, que elas consideravam necessário para garantir o sucesso econômico nos países em desenvolvimento. As ajudas econômicas ocidentais costumavam vir atreladas a medidas de controle populacional.
Não foi a primeira vez que o Ocidente aplicou tais pressões. Na Índia, os britânicos documentaram a prática do infanticídio feminino, atribuindo-o a tradicionais culturas primitivas. Os estudos posteriores, explica Hvistendahl, analisaram as políticas de controle da terra e de arrecadação de impostos da Companhia das Índias Orientais no século XIX e concluíram que elas aumentaram a pressão para assassinar as meninas.
É fato que em algumas castas as meninas eram assassinadas antes da chegada dos britânicos, mas, à medida que os colonialistas introduziam suas reformas, aquele tipo de infanticídio estendeu-se para outros grupos.
Já no século XX, em 1967, a Disney produziu um filme para o Conselho de População chamado Family Planning. Traduzido em 24 idiomas, apresentava o Pato Donald como o pai responsável de uma pequena e rica família. Sem planejamento familiar, dizia-se aos espectadores, “as crianças ficarão doentes e tristes, com poucas esperanças de futuro”.
Filho homem: um dever
A suposição de que a seleção sexual se deve acima de tudo à cultura tradicional se contradiz, também, ao se descobrir que esta seleção sexual começa na sociedade urbana e com boa educação.
O censo de 2001 na Índia mostrou que as mulheres com estudos superiores tinham 114 meninos para cada 100 meninas. Entre as mulheres analfabetas, a proporção era de pouco mais de 108 por 100.
Outro exemplo é a situação da província chinesa de Suining, entre Shangai e Pequim. A partir dos anos noventa, a província viveu um forte crescimento econômico, que permitiu que os pais subornassem os técnicos das ecografias que determinam o sexo. Quando Hvistendahl visitou a região, a “tarifa” do suborno pela informação do gênero do bebê era de 150 dólares. Em 2007, as estatísticas do governo indicavam em Suining o nascimento de 152 meninos para cada 100 meninas.
Ocorre o mesmo na Albânia. De 2004 a 2009, a economia cresceu em média 6% ao ano. A fertilidade caiu de 3,2 filhos por mulher em 1990 para 1,5 em 2010. As Nações Unidas identificam no país a proporção de 115 meninos para cada 100 meninas.
Análise
O livro também analisa a acusação de que são os homens que vêem suas filhas como inferiores e obrigam suas esposas a abortar, se se trata de uma menina. Isso ocorre em alguns casos, mas Hvistendahl afirma que a decisão de abortar costuma ser tomada pela mulher, seja a esposa ou a sogra.
Citam-se pesquisas que demonstram que as mulheres costumam submeter-se a abortos seletivos por razão de sexo para cumprir seu “dever” de ter um filho homem e, neste sentido, isso é descrito como algo que é sua responsabilidade.
Fertilidade
Esta preferência pelos meninos é uma atitude que se mantém inclusive nas populações asiáticas dos países ocidentais. Nos EUA, um estudo de descendentes de casais chineses, coreanos e indianos revelou que para o primeiro filho há uma proporção de sexos normal. Mas para os casais que já têm uma filha, a proporção de sexos era de  117/100 e, se houvesse tido duas filhas, a probabilidade de que o terceiro descendente fosse menino subia para 151/100.
Não se sabe muito bem – assinala Hvistendahl – por que isso ocorre entre casais que vivem nos EUA em circunstâncias muito diferentes das de seu país de origem. Uma pista, talvez, é que a taxa de fertilidade entre os norte-americanos de origem asiática esteja entre as mais baixas das minorias, em 1,9 filho por mulher.
Hvistendahl considera também as consequências para o futuro desse desequilíbrio na proporção de sexos. Evidentemente, haverá dezenas de milhões de homens que não conseguirão encontrar esposa. Dado que a primeira geração de atingidos por este desequilíbrio já cresceu, houve um aumento do tráfico sexual, da compra de noivas e dos casamentos à força.
Na Coreia do Sul e em Taiwan, os homens fazem “viagens matrimoniais” ao Vietnã para conseguir uma esposa. Os homens das regiões mais ricas da China e Índia compram as mulheres das regiões mais pobres.
Por outro lado, o excesso de homens solteiros poderia dar como resultado sociedades mais instáveis e violentas.
O aborto por seleção de sexo não é tão comum nos países ocidentais, mas algumas clínicas de fertilidade oferecem a possibilidade de selecionar o sexo antes da implantação, como parte do tratamento de fecundação in vitro. Muitos países proíbem isso – 36, segundo a informação citada no livro –, mas nos EUA não há tais restrições.
Dado que a fecundação in vitro também tem se estendido aos países em desenvolvimento, estas nações também estão recorrendo a ela para selecionar o sexo. “Na China e na Califórnia por igual, as mães se converteram nas defensoras da eugenia”, diz Hvistendahl. Uma tragédia que terá graves consequências nas próximas décadas.

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