segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Génesis - Estudo Da Bíblia Sagrada (Mês da Bíblia)



Ao primeiro livro da Bíblia – e, portanto, do Pentateuco – damos hoje o nome de GÉNESIS. É termo grego e significa “origem”, “nascimento”. Os livros da Bíblia Hebraica não tinham qualquer título. Eram chamados, simplesmente, pela primeira ou primeiras palavras. Este chamava-se berechit. Os autores da tradução da Bíblia Hebraica para o grego (Bíblia dos Setenta) acharam por bem dar aos livros um título de acordo com o seu conteúdo. Como este livro trata do princípio de tudo, chamaram-lhe GÉNESIS, isto é, Livro das Origens.

CONTEÚDO E ESTRUTURA
Todos os povos se perguntaram alguma vez: Donde viemos? Qual foi a nossa origem? Quem foi o fundador do nosso povo? Qual o nosso destino? Umas vezes, essas perguntas eram formuladas a partir de situações de desgraça colectiva: Que sentido tem o nosso fracasso e o nosso sofrimento? Que sentido tem a morte irremediável? Há um Alguém que possa responder a todas as interrogações do homem? Outras vezes, tinham um fundo político, pretendendo legitimar situações de privilégio presente ou reclamar direitos fundados num passado mais ou menos remoto.
O povo de Israel, na sua reflexão interna ou no confronto com outros povos, religiões e culturas, colocou a si próprio estas e outras questões semelhantes e deixou-nos as suas respostas neste livro. O GÉNESIS é, pois, o livro das grandes interrogações e das grandes respostas, não só do povo de Deus, mas de toda a humanidade. Por isso se diz que este livro é uma espécie de grande pórtico da catedral da Bíblia, pois de algum modo a resume na totalidade da sua beleza e conteúdo.
O GÉNESIS engloba, também, grande parte da História do povo de Israel: desde “as origens” até à estadia de Jacob no Egipto e a consequente formação das doze tribos. Pretendendo dar-nos uma concepção histórica, horizontal e dinâmica da História da Salvação, este livro faz a ligação entre “as origens” da humanidade (1,1) e a História concreta do povo de Israel. Por isso apresenta--nos, sobretudo nos 11 primeiros capítulos, teologia e catequese em forma de História, ou melhor, de histórias e não de factos históricos no sentido científico. Poderíamos resumir assim o seu conteúdo:
I. História das Origens (1,1-11,32)
1,1-2,4a: Criação do universo e dos seus habitantes (segundo a tradição Sacerdotal: P).
2,4b-3,24: Formação do homem e da mulher. Origem do pecado (tradição Javista: J).
4,1-24: “História de dois irmãos”, Caim e Abel. Descendência do primeiro.
4,25-5,32: Set e a sua descendência.
6,1-9,17: Corrupção da humanidade e Dilúvio (anti-Criação).
9,18-10,32: Re-criação, a partir de Noé, o homem novo. Lista de povos.
11,1-9: Torre de Babel: a humanidade constrói uma sociedade sem Deus.
11,10-32: Descendência de Sem até Abraão, promessa de um povo novo.
II. História dos Patriarcas (12,1-50,26)
Ciclo de Abraão (12,1-23,20): vocação, emigração para Canaã e Egipto. Nascimento de Isaac e Ismael. Morte de Abraão.
Ciclo de Isaac (24,1-27,46).
Ciclo de Jacob (28,1-36,43): já a partir de 25,19, Jacob começa a tornar-se a personagem principal, tanto em relação ao pai (Isaac), como em relação a seu irmão Esaú.
Ciclo de José (37,1-50,26): o penúltimo dos filhos de Jacob, vendido como escravo para o Egipto, faz a ligação histórica e teológica com o livro seguinte, o Êxodo. É um ciclo muito especial, também chamado História de José.
Este esquema histórico-literário apresenta-se como uma obra prima, não só a nível teológico, mas também na sua estrutura literária. De facto, a “História das Origens” (cap. 1-11) aparece como Prólogo histórico-teológico da História de Israel e da humanidade. E pretende ser o elo de ligação entre a Criação do mundo e Abraão, o pai do povo hebreu (cap. 12). O Egipto, como lugar de escravidão do Povo, é lugar de peregrinação para Abraão, Jacob e José. Estes e outros elementos fazem a ligação deste livro com o Êxodo e com os outros livros seguintes.

FONTES E GÉNEROS LITERÁRIOS
Donde vem todo este material? O povo hebreu vivia numa região onde se cruzavam muitos povos e civilizações. Este facto originou um inegável intercâmbio cultural entre eles. Os impérios que dominaram a Mesopotâmia e o Egipto, assim como as civilizações da Fenícia e de Canaã, são a fonte literária e histórica do GÉNESIS e do AT em geral.
É inegável que nos 11 primeiros capítulos se encontram abundantes elementos dessas culturas, incluindo alusões a certos mitos da Suméria, da Babilónia e de Ugarit, especialmente aos poemas da Criação, Enuma-Elish e Atrahasis. O poema de Gilgamesh está também presente no relato do Dilúvio. Muitas vezes, os autores do Génesis colocam-se em polémica aberta contra os mitos pagãos, como no caso de 1,1-2,4a.
A História Patriarcal (cap. 12-50) acolheu lendas antigas e referências a El, que faziam parte do espólio cultural dos santuários cananeus. Encontramos, igualmente, pequenos factos alusivos ao convívio com povos vizinhos. No que se refere à origem dos Patriarcas, há relatos sobre os antepassados tribais, heróis antigos, genealogias ou listas de patriarcas (cap. 5) e de povos (cap. 10), e outras histórias que pretendiam explicar a origem dos povos em geral e de Israel em particular. Por isso, este livro tem géneros literários variados:
A lenda: é o mais comum e consiste em produzir um relato a partir de um facto real, nome de pessoa ou de lugar. Há lendas etiológicas, que pretendem explicar, no passado, a “causa” de qualquer fenómeno ou acontecimento do presente. Um belo exemplo de lenda etiológica é o relato da destruição de Sodoma e Gomorra. Há ainda lendas etiológicas para explicar a origem de nomes de pessoas (para Isaac, que significa “rir”, ver 18,9-15; 21,2-7).
A genealogia: é uma lista de nomes que recua o mais longe possível até ao passado, a partir do presente. Pretende justificar no aspecto jurídico certos acontecimentos, privilégios de uma classe social ou de um povo (5,1-32; 10; 11,10-32). É sua intenção preencher o imenso espaço entre a Criação e a História do povo hebreu.
As sagas ou histórias antigas de todo o género: luta pelos poços, guerras tribais, histórias de famílias...
Também encontramos aqui a linguagem mítica. Sabemos que os autores do GÉNESIS combateram os mitos. Mas, para falar dos grandes problemas da humanidade, não deixaram de utilizar a linguagem e certos elementos mitológicos que estavam em voga, como a criação do homem a partir do barro (2,7), a árvore da Vida e a árvore da ciência (2,9-10; 3,1-6), o mito da serpente (cap. 3). Todo este material foi coleccionado muito lentamente. Primeiro surgiram pequenos conjuntos à volta de um santuário, de um acontecimento ou de uma personagem; podemos chamar-lhes tradições, e foram transmitidas oralmente, ao longo de muitos séculos. Quando aparece a escrita, essas tradições são fixadas em documentos. Com a queda do Reino do Norte (Samaria), em 722, essas tradições são trazidas para o Sul (Jerusalém). Finalmente, no período do Exílio (587-538), os redactores da escola Sacerdotal reúnem todas as grandes tradições e documentos existentes, imprimindo-lhes o seu próprio estilo e teologia. Podemos dizer que o GÉNESIS contém material recolhido entre os séculos XIII-V a. C.

TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ
Apesar de conter muitos elementos históricos, o GÉNESIS é uma obra essencialmente teológica que procurava responder aos problemas angustiantes colocados pelo acontecimento do Exílio (séc. VI): no meio das trevas, Deus é a luz do seu povo; no desespero do cativeiro, Deus há-de renovar a Aliança feita depois da saída do Egipto.
Por detrás das “histórias” contadas pelos seus autores, o GÉNESIS contém os grandes temas teológicos, não somente do Pentateuco mas da Bíblia em geral: a Aliança de Deus com a humanidade, o pecado do homem, a nova promessa de Aliança, a promessa da Terra Prometida, a bênção de Deus garantindo a perenidade do Povo, o monoteísmo javista.
O GÉNESIS não foi redigido para escrever História, mas para dizer que Deus domina a História. Por isso, é essencialmente um livro de catequese e de teologia, mesmo nos 11 primeiros capítulos, em que não há preocupação histórica ou científica, no sentido actual. Por isso, a Pontifícia Comissão Bíblica, já em 16 de Janeiro de 1948, dizia, a este respeito: “Estas formas literárias não correspondem a nenhuma das nossas categorias clássicas e não podem ser julgadas à luz dos géneros literários greco-latinos e modernos.”
Todos os grandes temas teológicos do GÉNESIS foram relidos pelos cristãos à luz do autor da nova criação, Jesus Cristo (Jo 1,1-3). As grandes personagens do GÉNESIS – Adão, Eva, Noé, Abraão e os outros Patriarcas – aparecem frequentemente ao longo do Novo Testamento para lembrar aos crentes que há uma só História da Salvação. Por isso, o Apocalipse – o último livro da Bíblia – não se compreende sem o primeiro.

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