Da Bíblia Sagrada
Este léxico tem a ver prevalentemente com os grupos recalcitrantes que Moisés “fez sair” do Egipto pela “estrada do deserto”; mas, dada a importância determinante de Moisés, dos seus grupos e das suas experiências para a constituição de Israel e a formação da Bíblia, o seu léxico torna-se património comum, podendo expressar também as “libertações” de outros grupos da “opressão” do domínio egípcio.
CONTEÚDO E DIVISÃO
Pode dividir-se o seu conteúdo do seguinte modo:
- I. “Opressão” e “Libertação” dos filhos de Israel no Egipto. Este é o tema fundamental de 1,1-15,21. Nesta secção merecem especial relevo as peripécias no Egipto (1,1-7,8), como um povo que nasce no sofrimento. Seguem-se as pragas (7,8-12,32), como meio violento de libertação.
- II. Caminhada pelo deserto (15,22-18,27) do povo, agora livre do Egipto.
- III. Aliança do Sinai (19,1-24,18). Esta aliança é o encontro criacional ou fundacional de Javé com os “israelitas”, em que o Senhor se dá a si mesmo ao homem e restitui cada homem a si mesmo, e em que o homem aceita a dádiva pessoal de Deus e se aceita a si mesmo como dom de Deus com tudo o mais que lhe é dado: a natureza, a razão, a Lei, a História, o mundo. Por sua vez, a dádiva e a sua aceitação também reclamam dádiva mútua e, portanto, responsabilidade. O pecado surge como possibilidade da liberdade humana; mas Deus pode sempre recomeçar tudo de novo.
- IV. Código sacerdotal, com especial relevo para a construção do santuário (25,1-31,18). A execução do mesmo vai ser revelada em 35,1-40,33, com a correspondente organização do culto. Esta narrativa está encerrada numa inclusão significativa: 40,34-38 descreve a descida do Senhor sobre o santuário com as mesmas características (nuvem, glória, fogo) com que 24,12-15a descreveu a descida do Senhor sobre o Sinai, mostrando, assim, que o santuário assumiu o papel do Sinai como lugar da manifestação de Deus. É a presença da ideologia sacerdotal (conhecida por fonte P), que projecta retrospectivamente no Sinai a imagem do segundo templo, do seu sacerdócio e do seu culto – em suma, o ideal da comunidade judaica pós-exílica (ver VI).
- V. Renovação da Aliança do Sinai, relatada em 32,1-34,35.
- VI. Código sacerdotal (35,1-40,38): execução das obras relativas ao santuário (ver IV).
AUTOR
A antiga tradição judaica, tal como a antiga tradição cristã, atribuíam a Moisés a autoria de todo o Pentateuco e, por isso, também do livro do ÊXODO. Este modo de pensar está hoje claramente ultrapassado. Contudo, talvez hoje se avalie também, com mais clareza do que nunca, a eventual acção determinante de Moisés na constituição de Israel e do corpo bíblico do Pentateuco e do ÊXODO.
GÉNERO LITERÁRIO
O tecido literário deste livro resulta em parte da acostagem horizontal de temáticas por via redaccional (“teoria fragmentária”), mas fundamentalmente da complexidade dinâmica da vida de múltiplos grupos cujas experiências no terreno vão sendo recolhidas e integradas em contextos ideológicos mais amplos. É ainda a questão da “teoria documentária”, embora redimensionada, nas suas componentes Javista (J), Eloista (E), Deuteronómico-Deuteronomista (D-Dtr) e Sacerdotal (P); das múltiplas “fichas” que recolhem e da ideologia e intenção das redacções; sem esquecer, também, a redacção final.
LEITURA CRISTÃ E TEOLOGIA
O acontecimento do Êxodo relata a libertação de Israel do Egipto pelo Senhor, que faz com esse povo uma Aliança. Tal acontecimento fundador foi objecto de várias releituras, já dentro da própria Bíblia, pois toda a teologia e espiritualidade do povo de Israel ficou profundamente marcada por ela. Assim, o Segundo e Terceiro Isaías vêem a libertação de Judá do domínio da Babilónia como um novo Êxodo. Os primeiros discípulos de Jesus e as primeiras comunidades cristãs, que eram de origem judaica, viram na doutrina de Jesus um “êxodo” novo e definitivo (Lc 4,16-21); e, na sua pessoa, o verdadeiro libertador, à vista do qual o próprio Moisés era simples figura, e a Lei do Sinai mero pedagogo para conduzir o povo até ao verdadeiro Mestre, que é Cristo (Gl 3,24). O Novo Testamento apresenta Moisés como muito inferior a Jesus, que veio trazer a nova Lei (Mt 5,17-48). A Carta aos Hebreus chega mesmo a dizer que Moisés já considerava os opróbrios por Cristo superiores aos tesouros do Egipto, seguindo em frente com firmeza, «como se contemplasse o Invisível» (Heb 11,27).
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