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quinta-feira, 28 de março de 2013

Quinta-feira da Semana Santa - Ceia do Senhor


Também vós deveis lavar os pés uns dos outros.

João 13,1-15

1 Antes da festa da Páscoa.Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai;tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.2 Estavam tomando a ceia. O diabo já tinha posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, o propósito de entregar Jesus.3 Jesus, sabendo que o Pai tinha colocado tudo em suasmãos e que de Deus tinha saído e para Deus voltava,4 levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura.5 Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos,enxugando-os com a toalha com que estava cingido.6 Chegou a vez de Simão Pedro. Pedro disse: 'Senhor, tu, me lavas os pés?'7 Respondeu Jesus:  'Agora, não entendes o que estou fazendo;mais tarde compreenderás.'
8 Disse-lhe Pedro: 'Tu nunca me lavarás os pés!'Mas Jesus respondeu: 'Se eu não te lavar, não terás parte comigo'.
9 Simão Pedro disse:'Senhor, então lava não somente os meus pés, mas também as mãos e a cabeça.'10 Jesus respondeu: 'Quem já se banhou não precisa lavar senão os pés,
porque já está todo limpo. Também vós estais limpos, mas não todos.'
11 Jesus sabia quem o ia entregar; por isso disse: 'Nem todos estais limpos.'12 Depois de ter lavado os pés dos discípulos,Jesus vestiu o manto e sentou-se de novo.E disse aos discípulos: 'Compreendeis o que acabo de fazer?'
13 Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou.
14 Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés,também vós deveis lavar os pés uns dos outros.
15 Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz.
 


Reflexão
 
Por acaso em nossas famílias, celebram-se aniversários de grandes tragédias? Que mãe iria querer celebrar com os familiares e amigos, o dia em que seu filho foi preso, condenado injustamente e passou por uma morte vergonhosa e extremamente humilhante ? Coisas assim, a gente quer esquecer, apagar da memória para sempre…
 
Na última Ceia, Jesus está dizendo aos seus discípulos que Ele quer que o seu sacrifício, a sua paixão e morte na cruz, seja sempre lembrada em um ritual. Atentemos para um detalhe dos sinóticos isto é, são os três evangelistas muito parecidos no que ele escrevem. São eles os Evangelhos segundo Mateus, Marcos e Lucas.  "Jesus partiu o pão e o deu a seus discípulos dizendo, tomai e comei pois este é o meu corpo…” e no escrito paulino, (Leia ICor 11,23-26). Foi o que sobrou de Jesus na cruz do calvário: seu corpo, massacrado, despedaçado, sem nenhuma vida. Comer o corpo de um morto e lembrar sempre do jeito que ele morreu. Pense que escândalo para os Judeus!
 
João toma outro rumo em sua reflexão com as comunidades do seu tempo: Aquele ritual, aquela celebração tem algo de grandioso e belo por trás de tudo. Ser rebaixado no último degrau do ser humano, aniquilar-se e deixar esmagar-se, dar o corpo, a vida e o sangue, até a última gota, esse era o Serviço que Jesus prestava a todos nós. Lavou-nos não só os pés, mas todo o nosso ser, passando por esse banho da regeneração. Aquele que sentou com Jesus à mesa, e continua a sentar-se hoje aquele que ouve a sua palavra e a guarda em seu coração, compreende o Mistério do Cristo em nós.
 
Pois bem, devemos ter força e humildade para também rebaixar-se diante de todos, ser o último, só para poder servir. Quando pensamos em nossa importância, no cargo que ocupamos, nem precisa ser tão grande assim. Por exemplo, a função do pai de família ou a mãe, entre outros cargos que servimos na Igreja, na função que exercemos, é difícil servir o irmão ou a irmã, que precisa de nós. Muitas vezes temos que nos deixa curvar diante do outro, queremos servir, mas do nosso jeito cheio de restrição. E isto não vale… Por isso contemplemos, nesse evangelho de João, o sentido real do servir de Jesus, que não leva em conta o que Ele é: Grandioso, Onipotente, Poderoso, Onipresente e Onisciente, mas que se abaixa diante do ser humano, para lavar-lhes os pés. Muitas vezes como Pedro (leia Jo13,6-8), não aceitamos a idéia de um Deus que se rebaixa para servir, pois observe que este serviço de lavar os pés era o serviço, que o escravo fazia ao seu senhor por isso que Pedro de início não aceitou. Pedro ainda precisava caminhar mais para aceitar tamanho ensinamento do Mestre. Jesus dá a este serviço precisamente uma dimensão maior e primordial: Nós é que devemos nos rebaixar diante Dele e dos irmãos precisamente…Exatamente isso, só que esse Deus manifestado em Jesus está sempre bem escondido, mas real na vida dos irmãos e irmãs a quem devemos servir, e que o Senhor coloca diante de nós.
 
Obrigado, Senhor, por nos sugerir tamanho gesto entre outros de acordo com o tempo e a realidade vivida na comunidade, tendo como luz o seu próprio testemunho: SERVIR O IRMÃO!.
 
 
Jesus se apresenta como servidor do povo. Lavando os pés das pessoas deu-lhes a extrema prova do seu amor. Veio para servir e não para ser servido (João 13,1-17). É necessário abrir os olhos para ver Jesus...
 
O povo repete até hoje: “Quem não vive para servir, não serve para viver!” Este era também o lema de Jesus. Ele dizia: “Não vim para ser servido, mas para servir” (Mc 10,45). Quando os discípulos brigavam pelo primeiro lugar ou quando alguns deles queriam ser mais importantes que os outros, ele chamava a atenção e dizia: “Quem quiser ser o primeiro deve ser o servidor de todos” (Mc 9,35). Não é fácil servir! Judas ia trair Jesus. Mesmo assim, Jesus lavou os pés de Judas. Ele mesmo, quando o povo queria fazer dele um rei, fugiu para a montanha e não quis saber (Jo 6,14). Foi o que São Paulo lembrou quando dizia que Jesus podia gloriar-se do seu título de filho de Deus, mas em vez disso se fez servidor de todos (Fil 2,6-7). Nós temos a festa de Cristo Rei, mas não temos a festa de Cristo servidor. É pena!
 
Vamos refletir sobre isto:
1. Por que é tão difícil servir aos outros? Conta algo da sua experiência.
2. Temos uma festa de Cristo Rei e não temos uma festa de Jesus Servidor. Como entender isso?

No tempo de Jesus, as autoridades religiosas ensinavam ao povo que o Messias devia ser glorioso e vencedor. Elas não se lembravam da profecia de Isaías que falava de um Messias Servidor (Is 42,1-9). Vamos ouvir um texto em que Jesus se apresenta não como glorioso vencedor mas como o servidor de todos. Durante a leitura, vamos ficar com esta pergunta na cabeça: “Em que consiste exatamente o serviço que Jesus quer prestar ao povo?”

Jesus, o Servo de Javé.

Naquele tempo, havia entre os judeus uma grande variedade de expectativas messiânicas. De acordo com as diferentes interpretações das profecias, havia gente que esperava um Messias Rei (Mc 15,9.32), um Messias Santo ou Sumo Sacerdote (Mc 1,24), um Messias Guerrilheiro subversivo (Lc 23,5; Mc 15,6; 13,6-8), um Messias Doutor (Jo 4,25; Mc 1,22.27), um Messias Juiz (Lc 3,5-9; Mc 1,8) ou um Messias Profeta (Mc 6,4; 14,65). Cada um, conforme os seus próprios interesses ou classe social, encaixava o messias nos seus próprios desejos e expectativas. Mas por mais diferentes que fossem aquelas expectativas, todas elas concordavam numa coisa: o messias seria forte, glorioso e vencedor.

Ao que tudo indica, ninguém se lembrava do Messias Servidor tal como tinha sido anunciado pelo profeta Isaías. Somente os pobres souberam valorizar a esperança messiânica como um serviço do povo de Deus à humanidade. Maria, a pobre de Javé, disse ao anjo: “Eis aqui a serva do Senhor!” Foi de Maria, sua mãe, que Jesus aprendeu o caminho do serviço. Nas três vezes em que ele anunciou sua paixão, morte e ressurreição, Jesus se orientou pela profecia do Servo de Javé, tal como transparece nos quatro cânticos do livro de Isaías, e a aplicou a si mesmo (Mc 8,31; 9,31; 10,33).

A origem daqueles quatro cânticos do Servo de Javé (Is 42,1-9; 49,1-6; 50,4-9; 52,13 a 53,12) remonta ao grupo dos discípulos e discípulas de Isaías que viviam no cativeiro da Babilônia em torno de 550 antes de Cristo. No livro de Isaías, a figura do Servo de Javé indica não um indivíduo, mas sim o povo do cativeiro (Is 41,8-9; 42,18-20; 43,10; 44,1-2; 44,21; 45,4; 48,20; 54,17), descrito pelo profeta como um povo “oprimido, sofredor, desfigurado, sem aparência de gente e sem um mínimo de condição humana, povo explorado, maltratado e silenciado, sem graça nem beleza, cheio de sofrimento, evitado pelos outros como se fosse um leproso, condenado como um criminoso, sem julgamento nem defesa” (cf. Is 53,2-8). Retrato perfeito de uma grande parte da humanidade, até hoje!

Deste povo-servo se dizia: “Ele não grita, nem levanta a voz, não solta berros pelas ruas, não quebra a planta machucada, nem apaga o pavio de vela que ainda solta fumaça” (Is 42,2). Ou seja, perseguido, não perseguia; oprimido, não oprimia; machucado, não machucava. Nele o vírus da violência opressora do império da Babilônia não conseguiu penetrar. Pelo contrário, ele promovia o direito e a justiça (Is 42,3.6). Esta atitude resistente do povo-servo é a semente da justiça que Deus quer ver implantada no mundo todo. Por isso, Deus chama esse povo para ser o seu Servo com a missão de irradiar a justiça de Deus e ser a “Luz do Mundo” (Is 42,2.6; 49,6).

Os quatro cânticos do Servo são uma espécie de cartilha para ajudar o povo oprimido, tanto de ontem como de hoje, a descobrir e assumir sua missão. Jesus conhecia estes cânticos e por eles se orientou. O primeiro cântico (Is 42,1-9) descreve como Deus chama o povo a ser o seu Servo e realizar a justiça no mundo inteiro. O segundo cântico (Is 49,1-6) descreve como foi difícil para aquele povo exilado e marginalizado acreditar na sua vocação de Servo. No terceiro cântico (Is 50,4-9), o Servo conta como ele, apesar do sofrimento, está realizando a sua missão. O quarto cântico (Is 52,13 a 53,12) descreve o futuro deste Servo: fiel a sua missão, ele vai entregar sua vida pelos outros e Deus vai confirmá-lo como seu servo. Morte e ressurreição!

Jesus percorreu o caminho dos quatro passos do serviço, indicados por Isaías. Na hora do batismo no rio Jordão, o Pai o apresentou como o seu servo e o enviou para a missão (Mc 1,11). Na sinagoga de Nazaré, ao expor seu programa ao povo da sua terra, Jesus assumiu esta missão publicamente (Lc 4,16-21). A partir daquele momento, ele começou a andar pela Galiléia para ajudar o povo a descobrir e assumir, junto com ele, a missão de Servo de Deus. No fim da sua vida, durante a última ceia, Jesus lavou os pés dos seus discípulos. Até o fim, perseverou na atitude de Servo de Deus. Eis alguns episódios em que transparece mais forte esta atitude de serviço em Jesus:

* Lava-pés
* Cura dos doentes
* Alimenta o povo faminto
* Conversa com o povo e consola os tristes
* Acolhe os excluídos e dá um lugar para eles
* Ensina o povo as coisas do Reino de Deus
* Defende os pequenos quando são criticados
* Faz o povo participar

Através desta sua atitude de serviço, Jesus nos revela a face de Deus que nos atrai e nos indica o caminho de volta para a casa do Pai. A sua vida é o melhor comentário dos quatro cânticos de Isaías.
 
Para um confronto pessoal
1. O que mais chamou a sua atenção no texto ou de que você mais gostou? Por quê?
2. Conforme as palavras do texto, em que consiste exatamente o serviço que Jesus quer prestar ao povo?
3. Como entender a reação de Pedro e a resposta dura de Jesus?
4. O que deve mudar no meu modo de pensar sobre Jesus?
 
Homilia Bento XVI - Santa Missa da Ceia do Senhor - 05/04/2012
Basílica de São João de Latrão

 Amados irmãos e irmãs!

A Quinta-feira Santa não é apenas o dia da instituição da Santíssima Eucaristia, cujo esplendor se estende sem dúvida sobre tudo o mais, tudo atraindo, por assim dizer, para dentro dela. Faz parte da Quinta-feira Santa também a noite escura do Monte das Oliveiras, nela Se embrenhando Jesus com os seus discípulos; faz parte dela a solidão e o abandono vivido por Jesus, que, rezando, vai ao encontro da escuridão da morte; faz parte dela a traição de Judas e a prisão de Jesus, bem como a negação de Pedro; e ainda a acusação diante do Sinédrio e a entrega aos pagãos, a Pilatos. Nesta hora, procuremos compreender mais profundamente alguma coisa destes acontecimentos, porque neles se realiza o mistério da nossa Redenção.

Jesus embrenha-se na noite. A noite significa falta de comunicação, uma situação em que não nos vemos um ao outro. É um símbolo da não compreensão, do obscurecimento da verdade. É o espaço onde o mal, que em presença da luz tem de se esconder, pode desenvolver-se. O próprio Jesus – que é a luz e a verdade, a comunicação, a pureza e a bondade – entra na noite. Esta, em última análise, é símbolo da morte, da perda definitiva de comunhão e de vida. Jesus entra na noite para a superar, inaugurando o novo dia de Deus na história da humanidade.

Pelo caminho, Jesus cantou com os seus discípulos os Salmos da libertação e redenção de Israel, que evocavam a primeira Páscoa no Egito, a noite da libertação. Chegado ao destino Ele, como faz habitualmente, vai rezar sozinho e, como Filho, falar com o Pai. Mas, diversamente do que é costume, quer ter perto de Si três discípulos: Pedro, Tiago e João; são os mesmos três que viveram a experiência da sua Transfiguração – viram transparecer, luminosa, a glória de Deus através da sua figura humana – , tendo-O visto no centro da Lei e dos Profetas, entre Moisés e Elias. Ouviram-No falar, com ambos, acerca do seu «êxodo» em Jerusalém. O êxodo de Jesus em Jerusalém: que palavra misteriosa! No êxodo de Israel do Egito, dera-se o acontecimento da fuga e da libertação do povo de Deus. Que aspecto deveria ter o êxodo de Jesus, para que nele se cumprisse, de modo definitivo, o sentido daquele drama histórico? Agora os discípulos tornavam-se testemunhas do primeiro trecho de tal êxodo – a humilhação extrema –, mas que era o passo essencial da saída para a liberdade e a vida nova, que o êxodo tem em vista. Os discípulos, cuja proximidade Jesus pretendeu naquela hora de ânsia extrema como elemento de apoio humano, depressa se adormentaram. Todavia ainda ouviram alguns fragmentos das palavras ditas em oração por Jesus e observaram o seu comportamento. Estas duas coisas gravam-se profundamente no espírito deles, que depois as transmitiram aos cristãos para sempre. Jesus chama a Deus «Abbá»; isto significa – como eles adiantam – «Pai». Não é, porém, a forma usual para dizer «pai», mas uma palavra própria da linguagem das crianças, ou seja, uma palavra meiga que ninguém ousaria aplicar a Deus. É a linguagem d’Aquele que é verdadeiramente «criança», Filho do Pai, d’Aquele que vive em comunhão com Deus, na unidade mais profunda com Ele.

Se nos perguntássemos qual era o elemento mais característico da figura de Jesus nos Evangelhos, temos de dizer: a sua relação com Deus. Ele está sempre em comunhão com Deus; estar com o Pai é o núcleo da sua personalidade. Através de Cristo, conhecemos verdadeiramente Deus. «A Deus jamais alguém O viu»: diz São João. Aquele que «está no seio do Pai (…) O deu a conhecer» (1, 18). Agora conhecemos Deus, como Ele é verdadeiramente: Ele é Pai; e Pai com uma bondade absoluta, à qual nos podemos confiar. O evangelista Marcos, que conservou as recordações de São Pedro, narra que Jesus, depois da invocação «Abbá», acrescentou: Tudo Te é possível; Tu podes tudo (cf. 14, 36). Aquele que é a Bondade, ao mesmo tempo é poder, é omnipotente. O poder é bondade e a bondade é poder. Esta confiança podemos aprendê-la a partir da oração de Jesus no Monte das Oliveiras.

Antes de reflectir sobre o conteúdo da súplica de Jesus, devemos ainda fixar a nossa atenção sobre o que os evangelistas nos referem a propósito do comportamento d’Ele durante a sua oração. Mateus e Marcos dizem-nos que «caiu com a face por terra» (Mt 26, 39; cf. Mc 14, 35), assumindo por conseguinte a posição de submissão total, como se manteve na liturgia romana de Sexta-feira Santa. Lucas, por sua vez, diz-nos que Jesus rezava de joelhos. Nos Atos dos Apóstolos, fala da oração de joelhos feita pelos santos: Estêvão durante a sua lapidação, Pedro no contexto da ressurreição de um morto, Paulo a caminho do martírio. Assim Lucas redigiu uma pequena história da oração feita de joelhos na Igreja nascente. Ajoelhando-se, os cristãos entram na oração de Jesus no Monte das Oliveiras. Ameaçados pelo poder do mal, eles ajoelham: permanecem de pé frente ao mundo, mas, enquanto filhos, estão de joelhos diante do Pai. Diante da glória de Deus, nós, cristãos, ajoelhamo-nos reconhecendo a sua divindade; mas, com tal gesto, exprimimos também a nossa confiança de que Ele vence.

Jesus luta com o Pai: melhor, luta consigo mesmo; e luta por nós. Sente angústia frente ao poder da morte. Este sentimento é, antes de mais nada, a turvação que prova o homem, e mesmo toda a criatura viva, em presença da morte. Mas, em Jesus, trata-se de algo mais. Ele estende o olhar pelas noites do mal; e vê a maré torpe de toda a mentira e infâmia que vem ao seu encontro naquele cálice que deve beber. É a turvação sentida pelo totalmente Puro e Santo frente à torrente do mal que inunda este mundo e que se lança sobre Ele. Vê-me também a mim, e reza por mim. Assim este momento da angústia mortal de Jesus é um elemento essencial no processo da Redenção; de fato, a Carta aos Hebreus qualificou a luta de Jesus no Monte das Oliveiras como um acontecimento sacerdotal. Nesta oração de Jesus, permeada de angústia mortal, o Senhor cumpre a função do sacerdotes: toma sobre Si o pecado da humanidade, toma a todos nós e leva-nos para junto do Pai.

Por último, devemos debruçar-nos sobre o conteúdo da oração de Jesus no Monte das Oliveiras. Jesus diz: «Pai, tudo Te é possível; afasta de Mim este cálice! Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres» (Mc 14, 36). A vontade natural do Homem Jesus recua, assustada, perante uma realidade tão monstruosa; pede que isso Lhe seja poupado. Todavia, enquanto Filho, depõe esta vontade humana na vontade do Pai: não Eu, mas Tu. E assim Ele transformou a atitude de Adão, o pecado primordial do homem, curando deste modo o homem. A atitude de Adão fora: Não o que quiseste Tu, ó Deus; eu mesmo quero ser deus. Esta soberba é a verdadeira essência do pecado. Pensamos que só poderemos ser livres e verdadeiramente nós mesmos, se seguirmos exclusivamente a nossa vontade. Vemos Deus como contrário à nossa liberdade. Devemos libertar-nos d’Ele – isto é todo o nosso pensar –; só então seremos livres. Tal é a rebelião fundamental, que permeia a história, e a mentira de fundo que desnatura a nossa vida. Quando o homem se põe contra Deus, põe-se contra a sua própria verdade e, por conseguinte, não fica livre mas alienado de si mesmo. Só somos livres, se permanecermos na nossa verdade, se estivermos unidos a Deus. Então tornamo-nos verdadeiramente «como Deus»; mas não opondo-nos a Deus, desfazendo-nos d’Ele ou negando-O. Na luta da oração no Monte das Oliveiras, Jesus desfez a falsa contradição entre obediência e liberdade, e abriu o caminho para a liberdade. Peçamos ao Senhor que nos introduza neste «sim» à vontade de Deus, tornando-nos deste modo verdadeiramente livres. Amém.

quarta-feira, 27 de março de 2013

4ª-feira da Semana Santa



Um de vós vai me trair.

Mateus 26,14-25

Naquele tempo:14 Um dos doze discípulos, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os sumos sacerdotes15 e disse: 'O que me dareis se vos entregar Jesus?'Combinaram, então, trinta moedas de prata.16 E daí em diante, Judas procurava uma oportunidade para entregar Jesus.17 No primeiro dia da festa dos Ázimos, os discípulos aproximaram-se de Jesuse perguntaram: 'Onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?'18 Jesus respondeu: 'Ide à cidade, procurai certo homem e dizei-lhe:'O Mestre manda dizer: o meu tempo está próximo,vou celebrar a Páscoa em tua casa, junto com meus discípulos'.'
19 Os discípulos fizeram como Jesus mandou e prepararam a Páscoa.20 Ao cair da tarde, Jesus pôs-se à mesa com os doze discípulos.21 Enquanto comiam, Jesus disse: 'Em verdade eu vos digo, um de vós vai me trair.'22 Eles ficaram muito tristes e, um por um, começaram a lhe perguntar:'Senhor, será que sou eu?'23 Jesus respondeu: 'Quem vai me trair é aquele que comigo põe a mão no prato.24 O Filho do Homem vai morrer, conforme diz a Escritura a respeito dele.Contudo, ai daquele que trair o Filho do Homem! Seria melhor que nunca tivesse nascido!'25 Então Judas, o traidor, perguntou: 'Mestre, serei eu?'Jesus lhe respondeu: 'Tu o dizes.'
 


Reflexão

Ontem o evangelho falou da traição de Judas e da negação de Pedro. Hoje, fala novamente da traição de Judas. Na descrição da paixão de Jesus do evangelhos de Mateus acentua-se fortemente o fracasso dos discípulos. Apesar da convivência de três anos, nenhum deles ficou para tomar a defesa de Jesus. Judas traiu, Pedro negou, todos fugiram. Mateus conta isto, não para criticar ou condenar, nem para provocar desânimo nos leitores, mas para ressaltar que o acolhimento e o amor de Jesus superam a derrota e o fracasso dos discípulos! Esta maneira de descrever a atitude de Jesus era uma ajuda para as Comunidades na época de Mateus. Por causa das freqüentes perseguições, muitos tinham desanimado e abandonado a comunidade e se perguntavam: "Será que é possível voltar? Será que Deus nos acolhe e perdoa?" Mateus responde sugerindo que nós podemos romper com Jesus, mas Jesus nunca rompe conosco. O seu amor é maior do que a nossa infidelidade. Esta é uma mensagem muito importante que colhemos do evangelho durante a Semana Santa.

Mateus 26,14-16: A Decisão de Judas de trair Jesus. Judas tomou a decisão, depois que Jesus não aceitou a crítica dos discípulos a respeito da mulher que gastou um perfume caríssima só para ungir Jesus (Mt 26,6-13). Ele foi até os sacerdotes e perguntou: “Quanto vocês me pagam se eu o entregar?” Combinaram trinta moedas de prata. Mateus evoca as palavras do profeta Zacarias para descrever o preço combinado (Zc 11,12). Ao mesmo tempo, a traição de Jesus por trinta moedas evoca a venda de José pelos seus próprios irmãos, avaliado pelos compradores em vinte moedas (Gn 37,28). Evoca ainda o preço de trinta moedas a ser pago pelo ferimento a um escravo (Ex 21,32).

Mateus 26,17-19: A Preparação da Páscoa. Jesus era da Galiléia. Não tinha casa em Jerusalém. Ele passava as noites no Horto das Oliveiras (cf. Jo 8,1). Nos dias da festa de páscoa a população de Jerusalém triplicava por causa da quantidade enorme de peregrinos que vinham de toda a parte. Não era fácil para Jesus encontrar uma sala ampla para poder celebrar a páscoa junto com os peregrinos que tinham vindo com ele desde a Galiléia. Ele manda os discípulos encontrar uma pessoa em cuja casa decidiu celebrar a Páscoa. O evangelho não oferece ulteriores informações e deixa que a imaginação complete o que falta nas informações. Era um conhecido de Jesus? Um parente? Um discípulo? Ao longo dos séculos, a imaginação dos apócrifos soube completar a falta de informação, mas com pouca credibilidade.

Mateus 26,20-25: Anúncio da traição de Judas. Jesus sabe que vai ser traído. Apesar de Judas fazer as coisas em segredo, Jesus está sabendo. Mesmo assim, ele faz questão de se confraternizar com o círculo dos amigos, do qual Judas faz parte. Estando todos reunidos pela última vez, Jesus anuncia quem é o traidor. É "aquele que põe a mão no prato comigo". Esta maneira de anunciar a traição acentua o contraste. Para os judeus a comunhão de mesa, colocar juntos a mão no mesmo prato, era a expressão máxima da amizade, da intimidade e da confiança. Mateus sugere assim que, apesar da traição ser feita por alguém muito amigo, o amor de Jesus é maior que a traição!

O que chama a atenção é a maneira de Mateus descrever estes fatos. Entre a traição e a negação ele colocou a instituição da Eucaristia (Mt 26,26-29): a traição de Judas, antes (Mt 25,20-25); a negação de Pedro e a fuga dos discípulos, depois (Mt 25,30-35). Deste modo, ele destaca para todos nós a inacreditável gratuidade do amor de Jesus, que supera a traição, a negação e a fuga dos amigos. O seu amor não depende do que os outros fazem por ele.
 
 
Para um confronto pessoal
1) Será que eu seria capaz de ser como Judas e de negar e trair a Deus, a Jesus, aos amigos e amigas?
2) Na semana santa é importante eu reservar algum momento para compenetrar-me da inacreditável gratuidade do amor de Deus por mim.

terça-feira, 26 de março de 2013

3ª-feira da Semana Santa



Senhor, para onde vais?

João 13,21-33.36-38

Naquele tempo: Estando à mesa com seus discípulos,21 Jesus ficou profundamente comovido e testemunhou:'Em verdade, em verdade vos digo, um de vós me entregará.'22 Desconcertados, os discípulos olhavam uns para os outros,pois não sabiam de quem Jesus estava falando.23 Um deles, a quem Jesus amava, estava recostado ao lado de Jesus.24 Simão Pedro fez-lhe um sinal para que ele procurasse saber de quem Jesus estava falando.25 Então, o discípulo, reclinando-se sobre o peito de Jesus, perguntou-lhe:'Senhor, quem é?'26 Jesus respondeu: 'É aquele a quem eu der o pedaço de pão passado no molho.'Então Jesus molhou um pedaço de pão e deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes.27 Depois do pedaço de pão, Satanás entrou em Judas.Então Jesus lhe disse: 'O que tens a fazer, executa-o depressa.'28 Nenhum dos presentes compreendeu por que Jesus lhe disse isso.29 Como Judas guardava a bolsa, alguns pensavam que Jesus lhe queria dizer:'Compra o que precisamos para a festa', ou que desse alguma coisa aos pobres.30 Depois de receber o pedaço de pão, Judas saiu imediatamente. Era noite.31 Depois que Judas saiu, disse Jesus:'Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele.32 Se Deus foi glorificado nele,
também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará logo.
33 Filhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco.Vós me procurareis, e agora vos digo, como eu disse também aos judeus:'Para onde eu vou, vós não podeis ir'.

36 Simão Pedro perguntou: 'Senhor, para onde vais?'Jesus respondeu-lhe: 'Para onde eu vou,tu não me podes seguir agora, mas me seguirás mais tarde.'
37 Pedro disse: 'Senhor, por que não posso seguir-te agora?Eu darei a minha vida por ti!'38 Respondeu Jesus: 'Darás a tua vida por mim? Em verdade, em verdade te digo:
o galo não cantará antes que me tenhas negado três vezes.' 


 Reflexão

Estamos na terça feira da Semana Santa. Os textos do evangelho destes dias nos confrontam com os fatos terríveis que levaram à prisão e à condenação de Jesus. Os textos não trazem só as decisões das autoridades religiosas e civis contra Jesus, mas também relatam as traições e negações dos próprios discípulos que possibilitaram a prisão de Jesus pelas autoridades e contribuíram enormemente para aumentar o sofrimento de Jesus.

João 13,21: O anúncio da traição. Depois de ter lavado os pés dos discípulos (Jo 13,2-11) e de ter falado da obrigação que temos de lavar os pés uns dos outros (Jo 13,12-16), Jesus se comoveu profundamente. E não era para menos. Enquanto ele estava fazendo aquele gesto de serviço e de total entrega de si mesmo, ao lado dele um discípulo estava tramando a maneira de como traí-lo naquela mesma noite. Jesus expressa a sua comoção e diz: “Em verdade lhes digo: um de vocês vai me trair!” Não diz: “Judas vai me trair”, mas “um de vocês”. É alguém do círculo da amizade dele que vai ser o traidor”.

João 13,22-25: A reação dos discípulos. Os discípulos levam susto. Não esperavam por esta declaração tão séria de que um deles seria o traidor. Pedro faz um sinal a João para ele perguntar a Jesus qual dos doze iria cometer a traição. Sinal de que eles nem sequer desconfiavam quem pudesse ser o traidor. Ou seja, sinal de que a amizade entre eles ainda não tinha chegado à mesma transparência de Jesus para com eles (cf. Jo 15,15). João se inclinou para perto de Jesus e perguntou: “Quem é?”

João 13,26-30: Jesus indica Judas. Jesus disse: é aquele a quem vou dar um pedaço de pão umedecido no molho. Ele pegou um pedaço de pão, molhou e deu a Judas. Era um gesto comum e normal que os participantes de uma ceia costumavam fazer entre si. E Jesus disse a Judas: “O que você tem que fazer, faça logo!” Judas tinha a bolsa comum. Era o encarregado de comprar as coisas e de dar esmolas para os pobres. Por isso, ninguém percebeu nada de especial no gesto e na palavra de Jesus. Nesta descrição do anúncio da traição está uma evocação do salmo em que o salmista se queixa do amigo que o traiu: “Até o meu amigo, em quem eu confiava e que comia do meu pão, é o primeiro a me trair” (Sl 41,10; cf. Sl 55,13-15). Judas percebeu que Jesus estava sabendo de tudo (Cf. Jo 13,18). Mesmo assim, não voltou atrás, e manteve a decisão de trair Jesus. É neste momento que se opera a separação entre Judas e Jesus. João diz que o satanás entrou nele. Judas levantou e saiu. Ele entrou para o lado do adversário (satanás). João comenta: “Era noite”. Era a escuridão.

João 13,31-33: Começa a glorificação de Jesus. É como se a história tivesse esperado por este momento da separação entre a luz e as trevas. Satanás (o adversário) e as trevas entraram em Judas quando ele decidiu de executar o que estava tramando. Neste mesmo momento se fez luz em Jesus que declara: “Agora o Filho do Homem foi glorificado, e também Deus foi glorificado nele. Deus o glorificará em si mesmo e o glorificará logo!” O que vai acontecer daqui para frente é contagem regressiva. As grandes decisões foram tomadas, tanto da parte de Jesus (Jo 12,27-28) e agora também da parte de Judas. Os fatos se precipitam. E Jesus já dá o aviso: “Filhinhos, é só mais um pouco que vou ficar com vocês”. Falta pouco para que se realize a passagem, a Páscoa.

João 13,34-35: O novo mandamento. O evangelho de hoje omite estes dois versículos sobre o novo mandamento do amor e passa a falar do anúncio da negação de Pedro.

João 13,36-38: Anúncio da negação de Pedro. Junto com a traição de Judas, o evangelho traz também a negação de Pedro. São os dos dois fatos que mais contribuíram para o sofrimento de Jesus. Pedro diz que está disposto a dar a vida por Jesus. Jesus o chama à realidade: “Você dar a vida por mim? O galo não cantará sem que me renegues três vezes”. Marcos tinha escrito: “O galo não cantará duas vezes e você já me terá negado três vezes” (Mc 14,30). Todo mundo sabe que o canto do galo é rápido. Quando de manhã cedo o primeiro galo começa a cantar, quase ao mesmo tempo todos os galos estão cantando. Pedro é mais rápido na negação do que o galo no canto.
 
 
Para um confronto pessoal
1) Judas, amigo, torna-se traidor. Pedro, amigo, torna-se negador. E eu?
2) Colocando-me na situação de Jesus: como enfrenta negação e traição, o desprezo e a exclusão?

segunda-feira, 25 de março de 2013

2ª-feira da Semana Santa



Pobres, sempre os tereis convosco

João 12,1-11

1 Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi para Betânia, onde morava Lázaro,que ele havia ressuscitado dos mortos.2 Ali ofereceram a Jesus um jantar; Marta servia e Lázaro era um dos que estavam à mesa com ele.3 Maria, tomando quase meio litro de perfume de nardo puro e muito caro,ungiu os pés de Jesus e enxugou-os com seus cabelos.A casa inteira ficou cheia do perfume do bálsamo.4 Então, falou Judas Iscariotes, um dos seus discípulos, aquele que o havia de entregar:5 'Por que não se vendeu este perfume por trezentas moedas de prata,
para as dar aos pobres?'6 Judas falou assim, não porque se preocupasse com os pobres, mas porque era ladrão;ele tomava conta da bolsa comum e roubava o que se depositava nela.7 Jesus, porém, disse: 'Deixa-a; ela fez isto em vista do dia de minha sepultura.8 Pobres, sempre os tereis convosco, enquanto a mim, nem sempre me tereis.'9 Muitos judeus, tendo sabido que Jesus estava em Betânia, foram para lá,não só por causa de Jesus, mas também para verem Lázaro,que Jesus havia ressuscitado dos mortos.10 Então, os sumos sacerdotes decidiram matar também Lázaro,11 porque, por causa dele, muitos deixavam os judeus e acreditavam em Jesus.
 

Reflexão

Estamos entrando na Semana Santa, a semana da páscoa de Jesus, da sua passagem deste mundo para o Pai (Jo 13,1). A liturgia de hoje coloca diante de nós o início do capítulo 12 do evangelho de João, que faz a ligação entre o Livro dos Sinais (cc 1-11) e o Livro da Glorificação (cc.13-21). No fim do "Livro dos Sinais", apareceram com clareza a tensão entre Jesus e as autoridades religiosas da época (Jo 10,19-21.39) e o perigo que Jesus corria. Várias vezes tentaram matá-lo (Jo 10,31; 11,8.53; 12,10). Tanto assim, que Jesus era obrigado a levar uma vida clandestina, pois podia ser preso a qualquer momento (Jo 10,40; 11,54).

João 12,1-2: Jesus, perseguido pelos judeus, vai à Betânia. Seis dias antes da páscoa, Jesus vai à Betânia na casa das suas amigas Marta e Maria e de Lázaro. Betânia significa Casa da Pobreza. Ele estava sendo perseguido pela polícia (Jo 11,57). Queriam matá-lo (Jo 11,50). Mesmo sabendo que a polícia estava atrás de Jesus, Maria, Marta e Lázaro receberam Jesus em casa e ofereceram um jantar para ele. Acolher em casa uma pessoa perseguida e oferecer-lhe um jantar era perigoso. Mas o amor faz superar o medo.

João 12,3: Maria unge Jesus. Durante o jantar, Maria unge os pés de Jesus com meio litro de perfume de nardo puro (cf. Lc 7,36-50). Era um perfume cheiroso, caríssimo, de trezentos denários. Em seguida, ela enxuga os pés de Jesus com seus cabelos. A casa inteira ficou cheia do perfume. Em todo este episódio, Maria não fala. Só age. O gesto cheio de simbolismo fala por si mesmo. Lavando os pés, Maria se faz servidora. Jesus vai repetir o gesto na última ceia (Jo 13,5).

João 12,4-6: Reação de Judas. Judas critica o gesto de Maria. Acha que é um desperdício. De fato, trezentos denários eram o salário de trezentos dias! O salário de quase um ano inteiro foi gasto de uma só vez! Judas acha que o dinheiro deveria ser dado aos pobres. O evangelista comenta que Judas não tinha nenhuma preocupação com os pobres, mas que era um ladrão. Tinha a bolsa comum e roubava dinheiro. Julgamento forte que condena Judas. Não condena a preocupação com os pobres, mas sim a hipocrisia que usa os pobres para se promover e se enriquecer. Nos seus interesses egoístas, Judas só pensava em dinheiro. Por isso não percebeu o que estava no coração de Maria. Jesus enxerga o coração e defende Maria.

João 12,7-8: Jesus defende a mulher. Judas olha o gasto e critica a mulher. Jesus olha o gesto e defende a mulher: “Deixa-a! Ela o conservou para o dia da minha sepultura!" Em seguida, Jesus diz: "Pobres sempre tereis, mas a mim nem sempre tereis!" Quem dos dois vivia mais perto de Jesus: Judas ou Maria? Como discípulo,Judas convivia com Jesus há quase três anos, vinte e quatro horas por dia. Fazia parte do grupo. Maria só o encontrava uma ou duas vezes ao ano, por ocasião das festas, quando Jesus vinha a Jerusalém e visitava a casa dela. Só a convivência sem o amor não faz conhecer. Tolhe o olhar. Judas era cego. Muita gente convive com Jesus e até o louva com muito canto, mas não o conhece de verdade nem o revela (cf. Mt 7,21). Duas afirmações de Jesus merecem um comentário mais detalhado: (1) “Pobres sempre tereis”, e (2) “Ela guardou o perfume para me ungir no dia do meu sepultamento”.

1. “Pobres sempre tereis.” Será que Jesus quis dizer que não devemos preocupar-nos com os pobres, visto que sempre vai haver gente pobre? Será que a pobreza é um destino imposto por Deus? Como entender esta frase? Naquele tempo, as pessoas conheciam o Antigo Testamento de memória. Bastava Jesus citar o começo de uma frase do AT, e as pessoas já sabiam o resto. O começo da frase dizia: “Vocês vão ter sempre os pobres com vocês!” (Dt 15,11a). O resto da frase que o povo já conhecia e que Jesus quis lembrar, era este: “Por isso, eu ordeno: abra a mão em favor do seu irmão, do seu pobre e do seu indigente, na terra onde você estiver!” (Dt 15,11b). Conforme esta Lei, a comunidade deve acolher os pobres e partilhar com eles seus próprios bens. Mas Judas, em vez de “abrir a mão em favor do pobre” e de partilhar com ele seus próprios bens, queria fazer caridade com o dinheiro dos outros! Queria vender o perfume de Maria por trezentos denários e usá-los para ajudar os pobres. Jesus cita a Lei de Deus que ensinava o contrário. Quem, como Judas, faz campanha com o dinheiro da venda dos bens dos outros, não incomoda. Mas aquele que, como Jesus, insiste na obrigação de acolher os pobres e de partilhar com eles os próprios bens, este incomoda e corre o perigo de ser condenado.

2. "Ela guardou esse perfume para me ungir no dia do meu sepultamento." A morte na cruz era o castigo terrível e exemplar, adotado pelos romanos para castigar os subversivos que se opunham ao império. Uma pessoa condenada à morte de cruz não recebia sepultura e não podia ser ungida, pois ficava pendurada na cruz até que os animais comessem o cadáver, ou recebia sepultura rasa de indigente. Além disso, conforme a Lei do Antigo Testamento, ela devia ser considerada como "maldita por Deus" (Dt 21, 22-23). Jesus ia ser condenado à morte de cruz, conseqüência do seu compromisso com os pobres e da sua fidelidade ao Projeto do Pai. Não ia ter enterro. Por isso, depois de morto, não poderia ser ungido. Sabendo disso, Maria se antecipa e o unge antes de ser crucificado. Com este gesto, ela mostra que aceitava Jesus como Messias, mesmo crucificado! Jesus entende o gesto dela e o aprova.

João 12,9-11: A multidão e as autoridades. Ser amigo de Jesus pode ser perigoso. Lázaro corre perigo de morte por causa da vida nova que recebeu de Jesus. Os judeus decidiram matá-lo. Um Lázaro vivo era prova viva de que Jesus era o Messias. Por isso, a multidão o procurava, pois o povo queria experimentar de perto a prova viva do poder de Jesus. Uma comunidade viva corre perigo de vida porque é prova viva da Boa Nova de Deus!
 
 
Para um confronto pessoal
1) Maria foi mal interpretada por Judas. Você já foi mal interpretada alguma vez? Como você reagiu?
2) O que nos ensina o gesto de Maria? Que alerta nos traz a reação de Judas?

domingo, 24 de março de 2013

Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor - Ano C




Procissão - Lc 19,28-40

Naquele tempo:
28 Jesus caminhava à frente dos discípulos, subindo para Jerusalém.
29 Quando se aproximou de Betfagé e Betânia, perto do monte chamado das Oliveiras,
 enviou dois de seus discípulos, dizendo:
30 'Ide ao povoado ali na frente. Logo na entrada encontrareis um jumentinho amarrado, que nunca foi montado. Desamarrai-o e trazei-o aqui.
31 Se alguém, por acaso, vos perguntar: 'Por que desamarrais o jumentinho?',
respondereis assim: 'O Senhor precisa dele'.'
32 Os enviados partiram e encontraram tudo exatamente como Jesus lhes havia dito.
33 Quando desamarravam o jumentinho, os donos perguntaram:
'Por que estais desamarrando o jumentinho?'
34Eles responderam: 'O Senhor precisa dele.'
35 E levaram o jumentinho a Jesus.
Então puseram seus mantos sobre o animal e ajudaram Jesus a montar.
36 E enquanto Jesus passava, o povo ia estendendo suas roupas no caminho.
37 Quando chegou perto da descida do monte das Oliveiras, a multidão dos discípulos, 
aos gritos e cheia de alegria, começou a louvar a Deus por todos os milagres que tinha visto.
38 Todos gritavam: 'Bendito o Rei, que vem em nome do Senhor!
Paz no céu e glória nas alturas!'
39 Do meio da multidão, alguns dos fariseus disseram a Jesus:
'Mestre, repreende teus discípulos!'
40 Jesus, porém, respondeu: 'Eu vos declaro: se eles se calarem, as pedras gritarão.'


Reflexão 1:
 
Este domingo sagrado celebra dois mistérios:
(1) a entrada solene do Senhor Jesus em Jerusalém para viver sua Passagem do mundo para o Pai e
(2) o Mistério de sua Paixão, morte e sepultura. Daí o título deste dia: domingo de Ramos e da Paixão. A procissão é de ramos; a missa é da paixão.

Que significa a entrada de Jesus em Jerusalém hoje? Ele é o descendente de Davi, o Filho de Davi e, portanto, o Messias prometido por Deus e esperado por Israel. Por isso o povo grita: “Bendito o Rei, que vem em nome do Senhor!” Jesus é saudado como o Rei de Israel, novo Davi, Messias que chega à Cidade de Davi! E Jesus, de fato, é Rei, é Messias! A festa de hoje é, em certo sentido, uma festa de Cristo Rei, Rei-Messias! É uma festa de exultação! Mas, estejamos atentos: ele entra na Cidade Santa montado não num cavalo, que simboliza poder e força, mas entra num jumentinho, usado pelos pobres nos serviços mais humildes e duros. Isto tem muito a nos dizer: Jesus é o Messias, mas um messias pobre, um messias servo, que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mc. 10,45). O seu serviço é um só: “dar a vida em resgate por muitos”. Ele é o Messias-Servo Sofredor, do qual fala o profeta Isaías na primeira leitura da missa de hoje: "Ofereci as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o rosto de bofetões e cusparadas... Mas o senhor Deus é meu Auxiliador, por isso sei que não serei humilhado". Ele é aquele que tomará sobre si as nossas faltas e será ferido pelas nossas feridas... Pois bem, é com este propósito que Jesus entra em Jerusalém hoje.

Quanto a nós, vamos com ele! Os ramos que trazemos nas mãos significam que reconhecemos Jesus como o Messias de Israel, prometido por Deus. Significam também que nos dispomos a segui-lo como o Servo que dá a vida na cruz. Levaremos estes ramos para casa. Devemos guardá-los num lugar visível durante todo o ano, para recordar nosso compromisso de seguir o Cristo num caminho de humildade e despojamento; segui-lo ainda quando não compreendermos bem os desígnios de Deus para nós... Seguir o Cristo, que confia no Pai até a morte e não se cansa de fazer da vida um serviço de amor. Seguir hoje em procissão com os ramos na mão significa proclamar diante do mundo que cremos nesse Jesus fraco, humilde, silencioso, crucificado... loucura para o mundo, mas sabedoria de Deus; fraqueza para o mundo, mas força de Deus!

Rejeitemos, então, por amor de Cristo, toda visão de um cristianismo de procura de curas, milagres, solução de problemas... um cristianismo que trai o Evangelho e renega a cruz de nosso Senhor Jesus Cristo... um cristianismo falso, que enche templos e esvazia o escândalo da cruz! Lembremo-nos de Jesus Cristo! “Fiel é esta palavra: se com ele morremos, com ele viveremos. Se com ele sofremos, com ele reinaremos!” (2 Tm. 2,11s).

Que tenhamos a coragem de proclamar com a vida e as palavras esse Jesus, porque se nos calarmos “as pedras gritarão”...


Reflexão 2 - Bento XVI

CIDADE DO VATICANO, domingo, 1º de abril de 2007 - Publicamos a homilia pronunciada por Bento XVI na celebração solene do Domingo de Ramos. Na missa que ele presidiu na Praça de São Pedro, no vaticano, participaram jovens de Roma e do mundo por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, que neste ano tem o tema: «Que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei» (Jo 13, 34).


Queridos irmãos e irmãs:

Na procissão do Domingo de Ramos, nós nos unimos à multidão de discípulos que, com alegria festiva, acompanhou o Senhor em sua entrada em Jerusalém. Com eles, louvamos o Senhor elevando a voz por todos os prodígios que vimos. Sim, também nós vimos e continuamos vendo os prodígios de Cristo: como ele leva homens e mulheres a renunciarem às comodidades da própria vida para colocar-se totalmente ao serviço dos que sofrem; como dá valor a homens e mulheres para opor-se à violência e à mentira, e dar espaço no mundo à verdade; como, no segredo, ele induz homens e mulheres a fazer o bem aos outros, a suscitar a reconciliação onde havia ódio, a criar a paz onde reinava a inimizade.

A procissão é, antes de tudo, um gozoso testemunho que nós oferecemos a Jesus Cristo, aquele que tornou o Rosto de Deus visível, e por quem o coração de Deus se abre a todos nós. No Evangelho de Lucas, a narração do início do cortejo nos arredores de Jerusalém está composta seguindo, em alguns momentos literalmente, o modelo do rito de coroação com que, segundo o Primeiro Livro dos Reis, Salomão foi declarado herdeiro da realeza de Davi (cf. 1 Reis 1, 33-35). Dessa forma, a procissão dos Ramos é também uma procissão de Cristo Rei: professamos a realeza de Jesus Cristo, reconhecemos Jesus como o Filho de Davi, o verdadeiro Salomão, o Rei da paz e da justiça. Reconhece-lo como Rei significa aceita-lo como quem nos indica o caminho, Aquele de quem nos fiamos e a quem seguimos. Significa aceitar, cada dia, sua palavra como critério válido para a nossa vida. Significa ver n’Ele a autoridade à qual nos submetemos. Nós nos submetemos a Ele porque sua autoridade é a autoridade da verdade.

Antes de tudo, a procissão dos Ramos é, como foi naquela ocasião para os discípulos, uma manifestação de alegria, porque podemos conhecer Jesus, porque Ele nos permite ser seus amigos e porque nos deu a chave da vida. Esta alegria, que se encontra na origem, é também expressão do nosso «sim» a Jesus e da nossa disponibilidade para caminhar com Ele até onde ele nos levar. A exortação do início da nossa liturgia interpreta justamente o sentido da procissão, que é também uma representação simbólica do que chamamos de «seguimento de Cristo»: «Peçamos a graça de segui-lo», nós dissemos. A expressão «seguimento de Cristo» é uma descrição de toda a existência cristã em geral. Em que consiste? O que quer dizer concretamente «seguir Cristo»?

No início, nos primeiros séculos, o sentido era muito simples e imediato: significa que essas pessoas haviam decidido deixar sua profissão, seus negócios, toda a sua vida para ir com Jesus. Significava empreender uma nova profissão: a de discípulo. O conteúdo fundamental dessa profissão consistia em ir com o mestre, confiar totalmente em seu guia. Dessa forma, o seguimento era algo exterior e ao mesmo tempo muito interior. O aspecto exterior consistia em caminhar detrás de Jesus em suas peregrinações pela Palestina; o interior, na nova orientação da existência, que já não tinha os mesmos pontos de referência nos negócios, na profissão, na vontade pessoal, mas que se abandonava totalmente na vontade do Outro. Colocar-se à disposição havia se convertido na razão de sua vida. A renúncia que isso implicava, o nível de desapego, nós o podemos reconhecer de maneira sumamente clara em algumas cenas dos Evangelhos.

Assim fica claro o que significa para nós o seguimento e sua verdadeira essência: trata-se de uma transformação interior da existência. Exige que eu já não me feche no meu eu, considerando minha auto-realização como a razão principal da minha vida. Exige entregar-me livremente ao Outro pela verdade, pelo amor, por Deus, que em Jesus Cristo me precede e me mostra o caminho. Trata-se da decisão fundamental de deixar de considerar a utilidade, o lucro, a carreira e o êxito como o objetivo último da minha vida, para reconhecer, no entanto, como critérios autênticos a verdade e o amor. Trata-se de optar entre viver somente para mim ou entregar-me a algo maior. É preciso levar em consideração que a verdade e o amor não são valores abstratos; em Jesus Cristo eles se converteram em uma Pessoa. Ao segui-lo, eu me coloco ao serviço da verdade e do amor. Ao perder-me, volto a me encontrar.

Voltemos à liturgia e à procissão dos Ramos. Nela, a liturgia prevê o canto do Salmo 24 (23), que também em Israel era um canto de procissão, utilizado para subir ao monte do templo. O Salmo interpreta a subida interior da que era imagem a subida exterior e nos explica o que significa subir com Cristo: «Quem subirá ao monte do Senhor?», pergunta o Salmo, e apresenta duas condições essenciais. Aqueles que sobem e querem chegar verdadeiramente até o cume, até a verdadeira altura, têm de ser pessoas que se perguntam por Deus. Pessoas que escrutam ao seu redor para buscar Deus, para buscar seu Rosto.

Queridos jovens amigos, que importante é precisamente isso hoje: não podemos nos deixar levar de um lado para o outro na vida; não podemos nos contentar com o que todos pensam, dizem e fazem. É preciso escrutar e buscar Deus. Não podemos deixar que a pergunta por Deus se dissolva em nossas almas, o desejo do que é maior, o desejo de conhecê-lo, seu Rosto...

Esta é outra condição sumamente concreta para a subida: só pode chegar ao lugar santo quem tem as «mãos limpas e o coração puro». Mãos limpas são aquelas que não comentem atos de violência. São mãos que não se sujaram com a corrupção, com os subornos. Coração puro, quando é puro o coração? Um coração é puro quando não finge e não se mancha com a mentira e com a hipocrisia. Um coração que é transparente como a água de um manancial, porque nele não há duplicidade. Um coração é puro quando não se extravia na embriaguez do prazer; um coração cujo amor é autêntico e não uma simples paixão do momento. Mãos limpas e coração puro: se caminhamos com Jesus, subimos e experimentamos as purificações que nos levam verdadeiramente a essa altura à qual o homem está destinado: a amizade com o próprio Deus.

O Salmo 24 (23), que fala da subida, conclui com uma liturgia de entrada ante a porta do templo: «Levantai, ó portas, os vossos dintéis! Levantai-vos, ó pórticos antigos, para que entre o rei da glória». Na antiga liturgia do Domingo de Ramos, o sacerdote, ao chegar ante a igreja, tocava fortemente com a cruz da procissão a porta, que ainda estava fechada e que nesse momento se abria. Era uma bela imagem do mistério do próprio Jesus Cristo que, com o madeiro de sua cruz, com a força do seu amor, tocou, desde o lado do mundo, a porta de Deus; do lado de um mundo que não conseguia ter acesso a Deus. Com a cruz, Jesus abriu totalmente a porta de Deus, a porta entre Deus e os homens. Agora ela está aberta. Mas o Senhor também toca desde o outro lado com a sua cruz: toca as portas do mundo, as portas dos nossos corações, que com tanta freqüência e em tão elevado número estão fechadas para Deus. E nos fala mais ou menos dessa forma: se as provas que Deus te dá de sua existência na criação não conseguirem abrir-te a Ele; se a palavra da Escritura e a mensagem da Igreja te deixam indiferente, então, olha pra mim, que sou o teu Senhor e o teu Deus.

Este é o chamado que nesse momento deixamos penetrar o nosso coração. Que o Senhor nos ajude a abrir a porta do coração, a porta do mundo, para que Ele, o Deus vivente, possa vir em seu Filho, ao nosso tempo, chegar à nossa vida. Amém.
 


Lucas 22,14-23,56
 
14 Quando chegou a hora, Jesus pôs-se à mesa com os apóstolos
15 e disse: 'Desejei ardentemente comer convosco esta ceia pascal, antes de sofrer.
16 Pois eu vos digo que nunca mais a comerei,
até que ela se realize no Reino de Deus'.
17 Então Jesus tomou um cálice, deu graças e disse:
'Tomai este cálice e reparti entre vós;
18 pois eu vos digo que, de agora em diante, não mais bebereis do fruto da videira, até que venha o Reino de Deus'. Fazei isto em memória de mim.
19 A seguir, Jesus tomou um pão, deu graças, partiu-o e deu-o aos discípulos, dizendo:
'Isto é o meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em memória de mim'.
20 Depois da ceia, Jesus fez o mesmo com o cálice, dizendo:
'Este cálice é a nova aliança no meu sangue, que é derramado por vós'.
Mas ai daquele por meio de quem o Filho do Homem é entregue.
21 'Todavia, a mão de quem me vai entregar está comigo, nesta mesa.
22 Sim, o Filho do Homem vai morrer, como está determinado.
Mas ai daquele homem por meio de quem ele é entregue.'
23 Então os apóstolos começaram a perguntar uns aos outros
qual deles haveria de fazer tal coisa.

24 Houve também uma discussão entre eles sobre
qual deles deveria ser considerado o maior.
25 Jesus, porém, lhes disse:
'Os reis das nações dominam sobre elas,
e os que têm poder se fazem chamar benfeitores.
26 Entre vós, não deve ser assim. Pelo contrário, o maior entre vós seja como o mais novo, e o que manda, como quem está servindo.
27 Afinal, quem é o maior: quem está sentado à mesa, ou quem está servindo?
Não é quem está sentado à mesa?
Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve.
28 Vós ficastes comigo em minhas provações.
29 Por isso, assim como o meu Pai me confiou o Reino,
eu também vos confio o Reino.
30 Vós havereis de comer e beber à minha mesa no meu Reino,
e sentar-vos em tronos para julgar as doze tribos de Israel.

31 Simão, Simão! Olha que Satanás pediu permissão para vos peneirar como trigo.
32 Eu, porém, rezei por ti, para que tua fé não se apague.
E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos.'
33 Mas Simão disse: 'Senhor, eu estou pronto para ir contigo até mesmo à prisão e à morte!'
34 Jesus, porém, respondeu: 'Pedro, eu te digo que hoje, antes que o galo cante, três vezes tu negarás que me conheces.'

35 E Jesus lhes perguntou: 'Quando vos enviei sem bolsa, sem sacola, sem sandálias, faltou-vos alguma coisa?' Eles responderam: 'Nada.'
36 Jesus continuou: 'Agora, porém, quem tiver bolsa, deve pegá-la; do mesmo modo, quem tiver uma sacola; e quem não tiver espada, venda o manto para comprar uma.
37 Porque eu vos digo: É preciso que se cumpra em mim a palavra da Escritura:
`Ele foi contado entre os malfeitores'.
Pois o que foi dito a meu respeito tem de se realizar.'
38 Mas eles disseram: 'Senhor, aqui estão duas espadas.'
Jesus respondeu: 'Basta.'

39 Jesus saiu e, como de costume, foi para o monte das Oliveiras.
Os discípulos o acompanharam.
40 Chegando ao lugar, Jesus lhes disse: 'Orai para não entrardes em tentação.'
41 Então afastou-se a uma certa distância e, de joelhos, começou a rezar:
42 'Pai, se queres, afasta de mim este cálice;
contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua!'
43 Apareceu-lhe um anjo do céu, que o confortava.
44 Tomado de angústia, Jesus rezava com mais insistência.
Seu suor tornou-se como gotas de sangue que caíam no chão.
45 Levantando-se da oração, Jesus foi para junto dos discípulos
e encontrou-os dormindo, de tanta tristeza.
46 E perguntou-lhes: 'Por que estais dormindo?
Levantai-vos e orai para não entrardes em tentação.'

47 Jesus ainda falava, quando chegou uma multidão. Na frente, vinha um dos Doze, chamado Judas, que se aproximou de Jesus para beijá-lo.
48 Jesus lhe disse: 'Judas, com um beijo tu entregas o Filho do Homem?'
49 Vendo o que ia acontecer, os que estavam com Jesus disseram:
'Senhor, vamos atacá-los com a espada?'
50 E um deles feriu o empregado do Sumo Sacerdote, cortando-lhe a orelha direita.
51 Jesus, porém, ordenou: 'Deixai, basta!' E tocando a orelha do homem, o curou.
52 Depois Jesus disse aos sumos sacerdotes, aos chefes dos guardas do templo e aos anciãos, que tinham vindo prendê-lo:
'Vós saístes com espadas e paus, como se eu fosse um ladrão?
53 Todos os dias eu estava convosco no templo, e nunca levantastes a mão contra mim. Mas esta é a vossa hora, a hora do poder das trevas.'

54 Eles prenderam Jesus e o levaram, conduzindo-o à casa do Sumo Sacerdote.
Pedro acompanhava de longe.
55 Eles acenderam uma fogueira no meio do pátio e sentaram-se ao redor.
Pedro sentou-se no meio deles.
56 Ora, uma criada viu Pedro sentado perto do fogo; encarou-o bem e disse:
'Este aqui também estava com ele!'
57 Mas Pedro negou: 'Mulher, eu nem o conheço!'
58 Pouco depois, um outro viu Pedro e disse: 'Tu também és um deles.'
Mas Pedro respondeu: 'Homem, não sou .'
59 Passou mais ou menos uma hora, e um outro insistia:
'Certamente, este aqui também estava com ele, porque é galileu!' Mas Pedro respondeu:
60 'Homem, não sei o que estás dizendo!'
Nesse momento, enquanto Pedro ainda falava, um galo cantou.
61 Então o Senhor se voltou e olhou para Pedro. E Pedro lembrou-se da palavra que o Senhor lhe tinha dito: 'Hoje, antes que o galo cante, três vezes me negarás.'
62 Então Pedro saiu para fora e chorou amargamente.

63 Os guardas caçoavam de Jesus e espancavam-no;
64 cobriam o seu rosto e lhe diziam: 'Profetiza quem foi que te bateu?'
65 E o insultavam de muitos outros modos.

66 Ao amanhecer, os anciãos do povo, os sumos sacerdotes e os mestres da Lei reuniram-se em conselho e levaram Jesus ao tribunal deles.
67 E diziam: 'Se és o Cristo, dize-nos!'
Jesus respondeu: 'Se eu vos disser, não me acreditareis,
68 e, se eu vos fizer perguntas, não me respondereis.
69 Mas, de agora em diante, o Filho do Homem
estará sentado à direita do Deus Poderoso.'
70 Então todos perguntaram: 'Tu és, portanto, o Filho de Deus?'
Jesus respondeu: 'Vós mesmos estais dizendo que eu sou!'
71 Eles disseram: 'Será que ainda precisamos de testemunhas?
Nós mesmos o ouvimos de sua própria boca!'

23,1 Em seguida, toda a multidão se levantou e levou Jesus a Pilatos.
2 Começaram então a acusá-lo, dizendo: 'Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso povo, proibindo pagar impostos a César e afirmando ser ele mesmo Cristo, o Rei.'
3 Pilatos o interrogou: 'Tu és o rei dos judeus?'
Jesus respondeu, declarando: 'Tu o dizes!'
4 Então Pilatos disse aos sumos sacerdotes e à multidão:
'Não encontro neste homem nenhum crime.'
5 Eles, porém, insistiam: 'Ele agita o povo, ensinando por toda a Judéia,
desde a Galiléia, onde começou, até aqui.'
6 Quando ouviu isto, Pilatos perguntou: 'Este homem é galileu?'
7 Ao saber que Jesus estava sob a autoridade de Herodes,
Pilatos enviou-o a este, pois também Herodes estava em Jerusalém naqueles dias.

8 Herodes ficou muito contente ao ver Jesus, pois havia muito tempo desejava vê-lo.
Já ouvira falar a seu respeito e esperava vê-lo fazer algum milagre.
9 Ele interrogou-o com muitas perguntas. Jesus, porém, nada lhe respondeu.
10 Os sumos sacerdotes e os mestres da Lei estavam presentes
e o acusavam com insistência.
11 Herodes, com seus soldados, tratou Jesus com desprezo, zombou dele,
vestiu-o com uma roupa vistosa e mandou-o de volta a Pilatos.
12 Naquele dia Herodes e Pilatos ficaram amigos um do outro, pois antes eram inimigos.

13 Então Pilatos convocou os sumos sacerdotes, os chefes e o povo, e lhes disse:
14 'Vós me trouxestes este homem como se fosse um agitador do povo. Pois bem!
Já o interroguei diante de vós e não encontrei nele nenhum dos crimes de que o acusais;
15 nem Herodes, pois o mandou de volta para nós.
Como podeis ver, ele nada fez para merecer a morte.
16 Portanto, vou castigá-lo e o soltarei.
18 Toda a multidão começou a gritar: 'Fora com ele! Solta-nos Barrabás!'
19 Barrabás tinha sido preso por causa de uma revolta na cidade e por homicídio.
20 Pilatos falou outra vez à multidão, pois queria libertar Jesus.
21 Mas eles gritavam: 'Crucifica-o! Crucifica-o!'
22 E Pilatos falou pela terceira vez: 'Que mal fez este homem? Não encontrei nele nenhum crime que mereça a morte. Portanto, vou castigá-lo e o soltarei.'
23 Eles, porém, continuaram a gritar com toda a força, pedindo que fosse crucificado.
E a gritaria deles aumentava sempre mais.
24 Então Pilatos decidiu que fosse feito o que eles pediam.
25 Soltou o homem que eles queriam - aquele que fora preso por revolta e homicídio -
e entregou Jesus à vontade deles.

26 Enquanto levavam Jesus, pegaram um certo Simão, de Cirene,
que voltava do campo, e impuseram-lhe a cruz para carregá-la atrás de Jesus.
27 Seguia-o uma grande multidão do povo
e de mulheres que batiam no peito e choravam por ele.
28 Jesus, porém, voltou-se e disse: 'Filhas de Jerusalém, não choreis por mim!
Chorai por vós mesmas e por vossos filhos!
29 Porque dias virão em que se dirá: 'Felizes as mulheres que nunca tiveram filhos, os ventres que nunca deram à luz e os seios que nunca amamentaram'.
30 Então começarão a pedir às montanhas:
'Caí sobre nós! e às colinas: 'Escondei-nos!'
31 Porque, se fazem assim com a árvore verde, o que não farão com a árvore seca?'
32 Levavam também outros dois malfeitores para serem mortos junto com Jesus.

33 Quando chegaram ao lugar chamado 'Calvário', ali crucificaram Jesus
e os malfeitores: um à sua direita e outro à sua esquerda.
34 Jesus dizia: 'Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!'
Depois fizeram um sorteio, repartindo entre si as roupas de Jesus. Este é o Rei dos Judeus.
35 O povo permanecia lá, olhando. E até os chefes zombavam, dizendo:
'A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Escolhido!'
36 Os soldados também caçoavam dele; aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre,
37 e diziam: 'Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!'
38 Acima dele havia um letreiro: 'Este é o Rei dos Judeus.'

39 Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo:
'Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!'
40 Mas o outro o repreendeu, dizendo:
'Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma condenação?
41 Para nós, é justo, porque estamos recebendo o que merecemos;
mas ele não fez nada de mal.'
42 E acrescentou: 'Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado.'
43 Jesus lhe respondeu:
'Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso.'

44 Já era mais ou menos meio-dia e uma escuridão cobriu toda a terra
até às três horas da tarde,
45 pois o sol parou de brilhar. A cortina do santuário rasgou-se pelo meio,
46 e Jesus deu um forte grito: 'Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.'
Dizendo isso, expirou.
47 O oficial do exército romano viu o que acontecera e glorificou a Deus dizendo:
'De fato! Este homem era justo!'
48 E as multidões, que tinham acorrido para assistir, viram o que havia acontecido, e voltaram para casa, batendo no peito.
49 Todos os conhecidos de Jesus, bem como as mulheres que o acompanhavam desde a Galiléia, ficaram à distância, olhando essas coisas.

50 Havia um homem bom e justo, chamado José, membro do Conselho,
51 o qual não tinha aprovado a decisão nem a ação dos outros membros.
Ele era de Arimatéia, uma cidade da Judéia, e esperava a vinda do Reino de Deus.
52 José foi ter com Pilatos e pediu o corpo de Jesus.
53 Desceu o corpo da cruz, enrolou-o num lençol e colocou-o num túmulo escavado na rocha, onde ninguém ainda tinha sido sepultado.
54 Era o dia da preparação da Páscoa, e o sábado já estava começando.
55 As mulheres, que tinham vindo da Galiléia com Jesus, foram com José, para ver o túmulo e como o corpo de Jesus ali fora colocado.
56 Depois voltaram para casa e prepararam perfumes e bálsamos.
E, no sábado, elas descansaram, conforme ordenava a Lei.


Reflexão 1:
 
As narrativas da Paixão são preciosos testemunhos que as primeiras comunidades cristãs deixaram para a história. O evangelista Lucas sublinha o desenvolvimento dos fatos e procura compor um relato bem organizado. O primeiro ato da grande narrativa da Paixão é a ceia pascal que Jesus deseja comer pela última vez com seus amigos. "Desejei muito comer com vocês esta ceia pascal, antes de sofrer".

No contexto da ceia pascal e à mesa - lugar de comunhão e de fraternidade -, ocorrem duas situações de não‑comunhão, atestando que os discípulos ainda não haviam entendido a proposta do Mestre. Judas é excluído do grupo por não formar comunhão. Ele recebe a herança que lhe cabe (um pedaço de pão) e parte para a missão contrária à qual fora convidado. Enquanto o traidor partia para seu destino, no interior da comunidade dos discípulos, arma‑se a disputa pelos primeiros lugares. Jesus adverte que tal atitude não faz parte de uma autêntica comunidade eucarística, memorial da nova Aliança e do banquete do Reino, do qual participará quem for solidário e generoso no serviço. Os discípulos terão que dar continuidade à missão e haverão de passar pela provação da cruz. Advertindo Pedro, Jesus alerta o grupo sobre sua fraqueza humana, a falta de perseverança e o agir em vista dos próprios interesses. No Jardim das Oliveiras, Jesus se entrega à oração confiando ao Pai seus temores e seus medos. Todavia, pede que não se cumpra a própria vontade, mas a dEle. Nessa hora em que mais precisa da solidariedade e do apoio dos amigos de caminhada, os discípulos dormem. Estão completamente desligados da crucial situação pela qual o Mestre está passando. Por conseqüência, na hora da traição e da prisão, todos fogem, abandonando‑o nas mãos dos malvados. Um simples olhar de Jesus denuncia Pedro, que sai e chora amargamente sua queda. O silêncio dói mais que qualquer palavra.

Depois de ser preso e torturado pelos inimigos que agem nas sombras da noite, Jesus é acusado de blasfemar contra Deus. Diante da autoridade civil e religiosa, afirma sua identidade de Filho de Deus. O Sinédrio, vencido pelas respostas de Jesus e não encontrando nele matéria que o condenasse, busca motivos políticos para condená‑lo. Jesus é enviado a Pilatos. Este também não encontra causa suficiente para condená‑lo. Diante da falsidade de Herodes, o Mestre se mantém em silêncio. O retorno a Pilatos atesta sua absoluta inocência. Isso intriga ainda mais os chefes do povo, que exigem de Pilatos, a qualquer preço, a condenação de Jesus. O procurador romano, não sabendo o que fazer, lembrou‑se da tradição pascal e propôs a libertação de um prisioneiro, imaginando que Jesus seria preterido pelo povo. Sublevada por seus chefes, a multidão pediu a liberdade do bandido Barrabás e a condenação de Jesus à morte.

A caminho do Calvário, completamente esgotado em suas forças, Jesus não consegue carregar a "cruz da humanidade". É ajudado por um trabalhador e consolado pelas mulheres. Crucificado entre dois ladrões e injuriado por seus algozes, nada mais lhe resta. Sua identidade, fama e dignidade já haviam sido roubadas. Suspenso entre o céu e a terra, em um supremo gesto de Rei em favor dos servos, garante ao ladrão arrependido: "Hoje mesmo você estará comigo no Paraíso". Do alto da cruz, o Filho de Deus revela‑se como dom de Salvação. O sol se escurece, e Jesus, inteiramente obediente à vontade divina, faz de si mesmo oferenda perfeita entregando seu espírito ao Pai. O oficial do exército (um pagão), glorificando a Deus, declara: "De fato! Esse homem era justo!". A humanidade reconhece a inocência do justo sentenciado pela injustiça dos homens. E se abre para uma mudança de atitude.
 
 
Reflexão 2:
 
Com a chegada de Jesus a Jerusalém e os acontecimentos da semana santa, chegamos ao fim do “caminho” começado na Galileia. Tudo converge, no Evangelho de Lucas, para aqui, para Jerusalém: é aí que deve irromper a salvação de Deus. Em Jerusalém, Jesus vai realizar o último ato do programa enunciado em Nazaré: da sua entrega, do seu amor afirmado até à morte, vai nascer esse Reino de homens novos, livres, onde todos serão irmãos no amor; e, de Jerusalém, partirão as testemunhas de Jesus, a fim de que esse Reino se espalhe por toda a terra e seja acolhido no coração de todos os homens.

A morte de Jesus tem de ser entendida no contexto daquilo que foi a sua vida. Desde cedo, Jesus apercebeu-Se de que o Pai O chamava a uma missão: anunciar a Boa Nova aos pobres, sarar os corações feridos, pôr em liberdade os oprimidos. Para concretizar este projeto, Jesus passou pelos caminhos da Palestina “fazendo o bem” e anunciando a proximidade de um mundo novo, de vida, de liberdade, de paz e de amor para todos. Ensinou que Deus era amor e que não excluía ninguém, nem mesmo os pecadores; ensinou que os leprosos, os paralíticos, os cegos não deviam ser marginalizados, pois não eram amaldiçoados por Deus; ensinou que eram os pobres e os excluídos os preferidos de Deus e aqueles que tinham o coração mais disponível para acolher o Reino; e avisou os “ricos”, os poderosos, os instalados, de que o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência, o fechamento só podiam conduzir à morte.

O projeto libertador de Jesus entrou em choque – como era inevitável – com a atmosfera de egoísmo, de má vontade, de opressão que dominava o mundo. As autoridades políticas e religiosas sentiram-se incomodadas com a denúncia de Jesus: não estavam dispostas a renunciar a esses mecanismos que lhes asseguravam poder, influência, domínio, privilégios; não estavam dispostos a arriscar, a desinstalar-se e a aceitar a conversão proposta por Jesus. Por isso, prenderam Jesus, julgaram-n’O, condenaram-n’O e pregaram-n’O na cruz.

A morte de Jesus é a consequência lógica do anúncio do Reino: resultou das tensões e resistências que a proposta do “Reino” provocou entre os que dominavam este mundo.

Podemos também dizer que a morte de Jesus é o culminar da sua vida; é a afirmação última, porém mais radical e mais verdadeira (porque marcada com sangue), daquilo que Jesus pregou com palavras e com gestos: o amor, o dom total, o serviço.

Na cruz de Jesus, vemos aparecer o Homem Novo, o protótipo do homem que ama radicalmente e que faz da sua vida um dom para todos. Porque ama, este Homem Novo vai assumir como missão a luta contra o pecado, isto é, contra todas as causas objetivas que geram medo, injustiça, sofrimento, exploração, morte. Assim, a cruz contém o dinamismo de um mundo novo – o dinamismo do Reino.


Para além da reflexão geral sobre o sentido da paixão e morte de Jesus, convém ainda notar alguns dados que são exclusivos da versão lucana da paixão:
• No relato da instituição da Eucaristia, só Lucas põe Jesus a dizer: “fazei isto em memória de Mim” (cf. Lc. 22,19). A expressão não quer só dizer que os discípulos devem celebrar o ritual da última ceia e repetir as palavras de Jesus sobre o pão e sobre o vinho; mas quer, sobretudo, dizer que os discípulos devem repetir a entrega de Jesus, a doação da vida por amor.
• Só Lucas coloca no contexto da última ceia a discussão acerca de qual dos discípulos seria o “maior” e a resposta de Jesus (cf. Lc. 22,24 - 27). Jesus avisa os seus que “o maior” é “aquele que serve”; e apresenta o seu próprio exemplo de uma vida feita serviço e dom. Estas palavras soam a “testamento” e convocam os discípulos para fazerem da sua vida um serviço aos irmãos, ao jeito de Jesus.
• No jardim das Oliveiras, só Lucas faz referência ao aparecimento do anjo e ao “suor de sangue” (cf. Lc. 22,42 - 44). Esta cena acentua a fragilidade humana de Jesus que, no entanto, não condiciona a sua submissão total ao projeto do Pai; e sublinha a presença de Deus, que não abandona nos momentos de prova aqueles que acolhem, na obediência, a sua vontade.
• Também no relato da paixão aparece a ideia fundamental que perpassa pela obra de Lucas: Jesus é o Deus que veio ao nosso encontro, a fim de manifestar a todos os homens, em gestos concretos, a bondade e a misericórdia de Deus. Essa ideia está presente no gesto de curar o guarda ferido por Pedro no Jardim do Getsemani (cf. Lc. 22,51); está também presente nas palavras de Jesus na cruz: “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem” – Lc 23,34 (é desconcertante o amor de um Filho de Deus que morre na cruz pedindo desculpa ao Pai para os seus assassinos); está, ainda, presente nas palavras que Jesus dirige ao criminoso que morre numa cruz, ao seu lado: “hoje mesmo estarás comigo no paraíso” – Lc 23,43 (é desconcertante a bondade de um Deus que faz de um assassino o primeiro santo canonizado da sua Igreja).
• Todos os sinópticos falam da requisição de Simão de Cirene para levar a cruz de Jesus (cf. Mt. 27,32; Mc. 15,21); no entanto, só Lucas refere que Simão transporta a cruz “atrás de Jesus” (cf. Lc. 23,26). Este dado serve a Lucas para apresentar o modelo do discípulo: é aquele que toma a cruz de Jesus e O segue no seu caminho de entrega e de dom da vida (“se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz dia após dia e siga-Me” – Lc. 9,23; cf. 14,27).



♦ Celebrar a paixão e morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor tornou frágil… Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura das tentações, tremeu perante a morte, suou sangue antes de aceitar a vontade do Pai; e, estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado, incompreendido, continuou a amar. Desse amor resultou vida plena, que Ele quis repartir conosco “até ao fim dos tempos”: esta é a mais espantosa história de amor que é possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração dos crentes.

♦ Contemplar a cruz onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus significa assumir a mesma atitude e solidarizar-se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade… Significa denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas, ideologias.

Significa evitar que os homens continuem a crucificar outros homens. Significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor… Viver deste jeito pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a partir de um dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição.