Vamos meditar sobre a aparição de Jesus aos discípulos e a
missão que eles receberam. Eles estavam reunidos com as portas fechadas porque
tinham medo dos judeus. De repente, Jesus se coloca no meio deles e diz: "A paz
esteja com vocês!" Depois de mostrar as mãos e o lado, ele disse novamente: "A
paz esteja com vocês! Como o Pai me enviou, eu envio vocês!" Em seguida, lhes dá
o Espírito para que possam perdoar e reconciliar. A paz! Reconciliar e construir
a paz! Esta é a missão que recebem. Hoje, o que mais faz falta é a paz: refazer
os pedaços da vida, reconstruir as relações quebradas entre as pessoas. Relações
quebradas por causa da injustiça e por tantos outros motivos. Jesus insiste na
paz. Repete várias vezes! As pessoas que lutam pela paz são declaradas felizes e
são chamadas filhos e filhas de Deus (Mt 5,9).
Na conclusão do capítulo 20 (Jo 20,30-31), o autor diz que
Jesus fez "muitos outros sinais que não estão neste livro. Estes, porém, foram
escritos (a saber os sete sinais relatados nos capítulos 2 a 11) para que vocês
possam crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e, acreditando, ter a vida no
nome dele" (Jo 20,31). Isto significa que, inicialmente, esta conclusão era o
final do Livro dos Sinais. Mais tarde, foi acrescentado o Livro da Glorificação
que descreve a hora de Jesus, a sua morte e ressurreição. Assim, o que era o
final do Livro dos Sinais passou a ser conclusão também do Livro da
Glorificação.
João 20,19-20: A experiência da ressurreição.
Jesus se faz presente na comunidade. As portas fechadas não podem
impedir que ele esteja no meio dos que nele acreditam. Até hoje é assim! Quando
estamos reunidos, mesmo com todas as portas fechadas, Jesus está no meio de nós.
E até hoje, a primeira palavra de Jesus é e será sempre: "A paz esteja com
vocês!" Ele mostrou os sinais da paixão nas mãos e no lado. O ressuscitado é
crucificado! O Jesus que está conosco na comunidade não é um Jesus glorioso que
não tem mais nada em comum com a vida da gente. Mas é o mesmo Jesus que viveu na
terra, e traz as marcas da sua paixão. As marcas da paixão estão hoje no
sofrimento do povo, na fome, nas marcas de tortura, de injustiça. É nas pessoas
que reagem, lutam pela vida e não se deixam abater que Jesus ressuscita e se faz
presente no meio de nós.
João 20,21: O envio: "Como o Pai me enviou, eu envio
vocês". É deste Jesus, ao mesmo tempo crucificado e ressuscitado, que
recebemos a missão, a mesma que ele recebeu do Pai. E ele repete: "A paz esteja
com vocês!" Esta dupla repetição acentua a importância da paz. Construir a paz
faz parte da missão. Paz significa muito mais do que só a ausência de guerra.
Significa construir uma convivência humana harmoniosa, em que as pessoas possam
ser elas mesmas, tendo todas o necessário para viver, convivendo felizes e em
paz. Esta foi a missão de Jesus, e é também a nossa missão. Numa palavra, é
criar comunidade a exemplo da comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
João 20,22: Jesus comunica o dom do Espírito.
Jesus soprou e disse: "Recebei o Espírito Santo". É só mesmo com a
ajuda do Espírito de Jesus que seremos capazes de realizar a missão que ele nos
dá. Para as comunidades do Discípulo Amado, Páscoa (ressurreição) e Pentecostes
(efusão do Espírito) são a mesma coisa. Tudo acontece no mesmo momento.
João 20,23: Jesus comunica o poder de perdoar os
pecados. O ponto central da missão de paz está na reconciliação, na
tentativa de superar as barreiras que nos separam: "Aqueles a quem vocês
perdoarem os pecados serão perdoados e aqueles a quem retiverdes serão retidos!"
Este poder de reconciliar e de perdoar é dado à comunidade (Jo 20,23; Mt 18,18).
No evangelho de Mateus é dado também a Pedro (Mt 16,19). Aqui se percebe a
enorme responsabilidade da comunidade. O texto deixa claro que uma comunidade
sem perdão nem reconciliação já não é comunidade cristã.
João 20,24-25: A dúvida de Tomé. Tomé, um
dos doze, não estava presente. E ele não crê no testemunho dos outros. Tomé é
exigente: quer colocar o dedo nas feridas da mão e do pé de Jesus. Quer ver para
poder crer! Não é que ele queria ver milagre para poder crer. Não! Tomé queria
ver os sinais das mãos e no lado. Ele não crê num Jesus glorioso, desligado do
Jesus humano que sofreu na cruz. Sinal de que havia pessoas que não aceitavam a
encarnação (2Jo 7; 1Jo 4,2-3; 2,22). A dúvida de Tomé também deixa transparecer
como era difícil crer na ressurreição.
João 20, 26-29: Felizes os que não viram e creram.
O texto começa dizendo: "Uma semana depois". Tomé foi capaz de
sustentar sua opinião durante uma semana inteira. Cabeçudo mesmo! Graças a Deus,
para nós! Novamente, durante a reunião da comunidade, eles têm uma experiência
profunda da presença de Jesus ressuscitado no meio deles. E novamente recebem a
missão de paz: "A paz esteja com vocês!" O que chama a atenção é a bondade de
Jesus. Ele não critica nem xinga a incredulidade de Tomé, mas aceita o desafio e
diz: "Tomé, venha cá colocar seu dedo nas feridas!" Jesus confirma a convicção
de Tomé, que era a convicção de fé das comunidades do Discípulo Amado, a saber:
o ressuscitado glorioso é o crucificado torturado! É neste Cristo que Tomé
acredita, e nós também! Como ele digamos: "Meu Senhor e meu Deus!" Esta entrega
de Tomé é a atitude ideal da fé. E Jesus completa com a mensagem final: "Você
acreditou porque viu! Felizes os que não viram e no entanto creram!" Com esta
frase, Jesus declara felizes a todos nós que estamos nesta condição: sem termos
visto acreditamos que o Jesus que está no nosso meio é o mesmo que morreu
crucificado!
João 20,30-31: Objetivo do evangelho: levar a crer
para ter vida. Assim termina o Evangelho, lembrando que a preocupação
maior de João é a Vida. É o que Jesus diz: "Eu vim para que todos tenham vida e
a tenham em abundância" (Jo 10,10).
Shalom: a construção da paz
O primeiro encontro entre Jesus ressuscitado e seus
discípulos é marcado pela saudação feita por ele: "A paz esteja com vocês!" Por
duas vezes Jesus deseja a paz a seus amigos. Esta saudação é muito comum entre
os judeus e na Bíblia. Ela aparece quando surge um mensageiro da parte de Deus
(Jz 6,23; Tb 12,17). Logo em seguida, Jesus os envia em missão, soprando sobre
eles o Espírito. Paz, Missão e Espírito" Os três estão juntos. Afinal, construir
a paz é a missão dos discípulos e das discípulas de Jesus (Mt 10,13; Lc 10,5). O
Reino de Deus, pregado e realizado por Jesus e continuado pelas comunidades
animadas pelo Espírito, manifesta-se na paz (Lc 1,79; 2,14). O Evangelho de João
mostra que a paz, para ser verdadeira, deve ser a paz trazida por Jesus (Jo
14,27). Uma paz diferente da paz construída pelo império romano.
Paz na Bíblia (em hebraico é shalom) é uma palavra muito
rica, significando uma série de atitudes e desejos do ser humano. Paz significa
integridade da pessoa diante de Deus e dos outros. Significa também uma vida
plena, feliz, abundante (Jo 10,10). A paz é sinal da presença de Deus, porque o
nosso Deus é um "Deus da paz" (Jz 6,24; Rm 15,33). Por isso mesmo, a proposta da
paz trazida por Jesus também é sinal de "espada" (Mt 10,34), ou seja, as
perseguições para as comunidades. O próprio Jesus faz este alerta sobre as
tribulações promovidas pelo império tentando matar a paz de Deus (Jo 16,33). É
preciso confiar, lutar, trabalhar, perseverar no Espírito para que um dia a paz
de Deus triunfe. Neste dia "amor e verdade se encontram, justiça e paz se
abraçam" (Sl 85,11). Então, como ensina Paulo, o "Reino será justiça, paz e
alegria como fruto do Espírito Santo" (Rm 14,17) e "Deus será tudo em todos"
(1Cor 15,28).