João
18,1-19,42
Naquele
tempo:1
Jesus saiu com os discípulos para o outro lado da torrente do Cedron.Havia aí um jardim, onde ele entrou com os
discípulos.2
Também Judas, o traidor, conhecia o
lugar, porque Jesus costumava reunir-se aí
com os seus discípulos.3
Judas levou consigo um destacamento de soldadose alguns guardas dos sumos sacerdotes e
fariseus,e chegou ali com lanternas, tochas e
armas.4
Então Jesus, consciente de tudo o que ia
acontecer,saiu ao encontro deles e disse:
'A quem procurais?' 5
Responderam: 'A Jesus, o nazareno'.Ele disse: 'Sou eu'. Judas, o traidor, estava junto com eles.6
Quando Jesus disse: 'Sou eu', eles
recuaram e caíram por terra.7
De novo lhes
perguntou: 'A quem
procurais?'Eles responderam: 'A Jesus,
o nazareno'.8
Jesus respondeu: 'Já vos
disse que sou eu.Se é a mim
que procurais, então deixai que
estes se retirem'. 9
Assim se realizava
a palavra que Jesus tinha dito:'Não perdi
nenhum daqueles que me confiaste'.10
Simão
Pedro, que trazia uma espada consigo,puxou dela
e feriu o servo do sumo sacerdote,cortando-lhe
a orelha direita. O nome do servo era
Malco.11
Então Jesus disse a
Pedro:'Guarda a tua espada na bainha.
Não vou beber o cálice que o Pai me
deu?'
12
Então, os soldados, o comandante e os guardas dosjudeus prenderam Jesus e o amarraram.13
Conduziram-no primeiro a Anás, que era o sogro deCaifás, o sumo sacerdote naquele ano.14
Foi Caifás que deu aos judeus o conselho: 'É preferível que um só morra pelo povo'.15
Simão Pedro e um outro discípulo seguiam Jesus.Esse discípulo era conhecido do sumo sacerdotee entrou com Jesus no pátio do sumo sacerdote.16
Pedro ficou fora, perto da porta.Então o outro discípulo, que era
conhecido do sumo sacerdote, saiu,conversou com
a encarregada da porta e levou Pedro para
dentro.17
A criada que guardava a porta disse a
Pedro:'Não pertences também tu aos discípulos
desse homem?'Ele respondeu: 'Não'.18
Os empregados e os guardas fizeram uma
fogueirae estavam-se aquecendo, pois fazia
frio. Pedro ficou com eles,
aquecendo-se.19
Entretanto, o sumo sacerdote
interrogou Jesusa respeito de seus discípulos e
de seu ensinamento.20
Jesus lhe respondeu:
'Eu falei às claras ao mundo. Ensinei
sempre na sinagoga e no
Templo, onde todos os judeus se reúnem. Nada falei às escondidas. 21
Por que me interrogas? Pergunta aos que ouviram o que
falei; eles sabem o que eu
disse.' 22
Quando Jesus falou isso, um
dos guardas que ali estavadeu-lhe uma bofetada,
dizendo: 'É assim que respondes ao sumo
sacerdote?'23
Respondeu-lhe Jesus: 'Se
respondi mal, mostra em quê;mas, se falei bem, por que me bates?'
24
Então, Anás enviou Jesus amarrado para
Caifás, o sumo sacerdote.
25
Simão Pedro continuava
lá, em pé, aquecendo-se. Disseram-lhe:'Não és tu,
também, um dos discípulos dele?'Pedro negou:
'Não!'26
Então um dos empregados do sumo
sacerdote, parente daquele a quem Pedro tinha
cortado a orelha, disse: 'Será que não te vi no
jardim com ele?'27
Novamente Pedro negou. E na
mesma hora, o galo cantou.
28
De Caifás, levaram Jesus ao palácio do governador. Era de manhã cedo.Eles mesmos
não entraram no palácio,para não ficarem
impuros e poderem comer a páscoa.29
Então
Pilatos saiu ao encontro deles e disse:'Que
acusação apresentais contra este homem?'30
Eles
responderam: 'Se não fosse malfeitor, não o
teríamos entregue a ti!'31
Pilatos disse:
'Tomai-o vós mesmos e julgai-o de acordo com a
vossa lei.'Os judeus lhe responderam:
'Nós não podemos condenar ninguém à
morte'.32
Assim se realizava o que Jesus tinha
dito,significando de que morte havia de
morrer.33
Então Pilatos entrou de novo no
palácio, chamou Jesus e
perguntou-lhe:'Tu és o rei dos
judeus?'34
Jesus respondeu: 'Estás
dizendo isto por ti mesmo,ou
outros te disseram isto de mim?' 35
Pilatos falou: 'Por acaso, sou judeu?O teu povo e os sumos sacerdotes te entregaram a mim.
Que fizeste?'.36
Jesus respondeu: 'O meu reino não é deste mundo.
Se o meu reino fosse deste mundo,
os meus guardas lutariam para que
eu não fosse entregue aos
judeus.Mas o meu reino não é
daqui.' 37
Pilatos disse a Jesus:
'Então tu és rei?'Jesus respondeu: 'Tu
o dizes: eu sou rei. Eu nasci e
vim ao mundo para isto:para
dar testemunho da verdade. Todo
aquele que é da verdade escuta a minha voz.' 38
Pilatos disse a Jesus: 'O que é a verdade?'Ao dizer isso, Pilatos saiu ao encontro dos
judeus,e disse-lhes: 'Eu não encontro nenhuma
culpa nele.39
Mas existe entre vós um costume,
que pela Páscoa eu vos solte um
preso.Quereis que vos solte o rei dos
Judeus?'40
Então, começaram a gritar de novo:
'Este não, mas Barrabás!' Barrabás era um
bandido.
19,1
Então Pilatos mandou flagelar
Jesus.2
Os soldados teceram uma coroa de espinhos
e colocaram-na na cabeça de Jesus.Vestiram-no com um manto vermelho,3
aproximavam-se dele e diziam:'Viva o rei dos judeus!' E davam-lhe bofetadas.4
Pilatos
saíu de novo e disse aos judeus: 'Olhai, eu o trago
aqui fora, diante de vós,para que saibais que
não encontro nele crime algum.'5
Então Jesus veio
para fora, trazendo a coroa de espinhos e o manto
vermelho.Pilatos disse-lhes: 'Eis o
homem!'6
Quando viram Jesus, os sumos sacerdotes e os guardas começaram a
gritar:'Crucifica-o!
Crucifica-o!'Pilatos respondeu: 'Levai-o vós
mesmos para ocrucificar, pois eu não encontro
nele crime algum.'7
Os judeus responderam: 'Nós
temos uma Lei,e, segundo esta Lei, ele deve
morrer, porque se fez Filho de Deus'.8
Ao ouvir estas palavras, Pilatos ficou com mais medo
ainda.9
Entrou outra vez no palácio e perguntou a Jesus: 'De onde és tu?'Jesus ficou calado.10
Então
Pilatos disse: 'Não me respondes?Não sabes que
tenho autoridade para te soltar e autoridade para
te crucificar?'11
Jesus respondeu: 'Tu não terias autoridade alguma sobre mim,
se ela não te fosse dada do alto.
Quem me entregou a ti, portanto, tem culpa
maior.'
12
Por causa disso, Pilatos procurava soltar Jesus. Mas os judeus gritavam:'Se
soltas este homem, não és amigo de César.Todo
aquele que se faz rei, declara-se contra César'.13
Ouvindo estas palavras, Pilatos trouxe Jesus para fora e sentou-se no tribunal,no lugar chamado 'Pavimento', em hebraico 'Gábata'.14
Era o dia da preparação da Páscoa, por volta do meio-dia.Pilatos
disse aos judeus: 'Eis o vosso rei!'15
Eles,
porém, gritavam: 'Fora! Fora! Crucifica-o!'Pilatos disse: 'Hei de crucificar o vosso rei?'Os sumos sacerdotes responderam: 'Não temos outro rei senão César'.16
Então Pilatos entregou Jesus para ser crucificado, e eles o levaram.
17
Jesus tomou a cruz sobre si e
saiu para o lugar chamado 'Calvário',em
hebraico 'Gólgota'.18
Ali o crucificaram, com
outros dois: um de cada lado, e Jesus no
meio.19
Pilatos mandou ainda escrever um
letreiroe colocá-lo na cruz; nele estava
escrito: 'Jesus o Nazareno, o Rei dos
Judeus'.20
Muitos judeus puderam ver o letreiro,
porque o lugar em que Jesus foi crucificado ficava
perto da cidade. O letreiro estava escrito em
hebraico, latim e grego.21
Então os sumos
sacerdotes dos judeus disseram a Pilatos:
'Não escrevas 'O Rei dos Judeus', mas sim o que ele disse: 'Eu sou o Rei dos
judeus'.'22
Pilatos respondeu: 'O que escrevi,
está escrito'.
23
Depois que crucificaram Jesus, os soldados repartiram a sua roupa em quatro
partes,uma parte para cada soldado.
Quanto à túnica, esta era tecida sem costura,
em peça única de alto a baixo.24
Disseram então entre si: 'Não vamos dividir a túnica.
Tiremos a sorte para ver de quem será'.
Assim se cumpria a Escritura que diz: 'Repartiram entre si as minhas vestese lançaram sorte sobre a minha túnica'. Assim procederam os soldados.
25
Perto da cruz de Jesus,
estavam de péa sua mãe, a irmó da sua mãe,
Maria de Cléofas, e Maria Madalena.26
Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo
queele amava, disse à mãe: 'Mulher,
este é o teu filho'. 27
Depois disse ao
discípulo: 'Esta é a tua mãe'. Daquela hora em diante, o
discípulo a acolheu consigo.
28
Depois disso, Jesus, sabendo que tudo estava
consumado,e para que a Escritura se cumprisse
até o fim, disse: 'Tenho sede'.
29
Havia ali uma jarra cheia de
vinagre. Amarraram numa vara uma esponja
embebida de vinagre e levaram-na à boca de
Jesus.30
Ele tomou o vinagre e disse:
'Tudo está consumado'. E,
inclinando a cabeça, entregou o espírito.
31
Era o dia da preparação para a Páscoa. Os judeus queriam evitar que os
corpos ficassem na cruz durante o sábado, porque
aquele sábado era dia de festa solene. Então
pediram a Pilatos que mandasse quebrar as pernas
aos crucificados e os tirasse da cruz.32
Os soldados foram e quebraram
as pernas de um e depois do outroque foram
crucificados com Jesus.33
Ao se aproximarem de
Jesus, e vendo que já estavamorto, não lhe
quebraram as pernas;34
mas um soldado abriu-lhe
o lado com uma lança, e logo saiu sangue e
água.35
Aquele que viu, dá testemunho e seu
testemunho é verdadeiro; e ele sabe que fala a verdade, para
que vós também acrediteis.36
Isso aconteceu para
que se cumprisse a Escritura, que diz:
'Não quebrarão nenhum dos seus
ossos'.37
E outra Escritura ainda diz:
'Olharão para aquele que
transpassaram'.
38
Depois disso, José de Arimatéia,
que era discípulo de Jesus - mas às escondidas, por medo dos judeus - pediu a Pilatos para tirar o corpo de Jesus.Pilatos consentiu. Então José veio
tirar o corpo de Jesus.39
Chegou também
Nicodemos, o mesmo que antes tinha ido a Jesus de
noite.Trouxe uns trinta quilos de perfume
feito de mirra e aloés.40
Então tomaram o corpo de Jesus e
envolveram-no, com os aromas, em faixas de linho,como os judeus costumam sepultar.41
No lugar onde Jesus foi crucificado, havia um jardim e, no jardim, um túmulo novo,onde ainda ninguém tinha sido sepultado.42
Por causa da preparação da Páscoa, e como o
túmuloestava perto, foi ali que colocaram
Jesus.
REFLEXÃO
1:
JESUS SENHOR DE SUA SORTE.
Queria propor juntar-nos com o espírito de Maria, sob a cruz de Jesus. Ela
mulher forte que percorreu todo o significado deste acontecimento da paixão e
morte do Senhor, nos ajudará a ter um olhar contemplativo sobre o Crucificado
(Jo 19,25-27). Encontramo-nos no capítulo 19 do Evangelho de João, que começa
com a cena da flagelação e da coroação de espinhos. Pilatos apresenta Jesus aos
sumos sacerdotes e aos guardas: “Jesus Nazareno, o rei dos Judeus” que gritam
sua morte na cruz (Jo 19,6). Começa assim para Jesus o caminho da cruz para o
Gólgota, onde será crucificado. Na narração da paixão segundo João, Jesus se
revela senhor de si mesmo, controlando assim tudo o que lhe acontece. O texto
joanista é cheio de frases que indicam esta realidade teológica, de Jesus que
oferece sua vida. Os acontecimentos da paixão Ele os sofre ativamente e não
passivamente. Trazemos aqui apenas alguns exemplos sublinhando algumas frases e
palavras. O leitor pode encontrar outras:
Então Jesus, conhecendo tudo o que ia suceder
se adianta e lhes pergunta: “A quem procura?”. Responderam-Lhe: “Jesus de
Nazaré!”. Disse-lhes: “Eu sou!”. Judas o que lhe entregara também estava com
eles. Quando lhes disse: “Eu sou” retrocederam e caíram por terra.
Perguntou-lhes de novo: “A quem procuram?”. Responderam-Lhe: “Jesus o
Nazareno!”. Jesus respondeu “Já lhes disse que “eu sou”, deixem os outros irem”.
Assim se cumprirá o que havia dito: “dos que me foram dados, nenhum se perdeu”
(Jo 18,4-9).
“ENTÃO JESUS SAIU, LEVANDO A COROA DE
ESPINHOS E O MANTO DE PÚRPURA” (Jo 19,15). Disse a Pilatos: “Não terias
poder nenhum sobre mim, se não te fosse dado do alto” (Jo 19,11). Também sobre a
cruz Jesus toma parte ativa em sua morte, ao se deixa matar como os ladrões aos
quais são quebradas as pernas (Jo 19,31-33); ao contrário entrega seu espírito
(Jo 19,30). São muito importantes os detalhes apontados pelo evangelista: “Jesus
então, vendo sua Mãe e ali junto dela o discípulo a quem amava, disse a sua Mãe:
Mulher, eis aí teu filho!. Em seguida disse ao discípulo: Eis ai tua Mãe!” (Jo
19,26-27). Estas simples palavras de Jesus têm o peso da revelação, palavras com
as quais, Ele nos revela sua vontade: “eis ai teu filho”; “eis ai tua Mãe”.
Palavras que nos enviam para aquelas pronunciadas por Pilatos: “Eis ai o Homem”
(Jo 19,5). Aqui Jesus, a partir da cruz, seu trono, revela sua vontade e seu
amor por todos nós. Ele é o cordeiro de Deus, o pastor que dá sua vida pelas
ovelhas. Naquele momento, na cruz Ele faz nascer a Igreja, representada por sua
mãe Maria, sua irmã, Maria de Cleófas e Maria Madalena com o discípulo amado (Jo
19,25).
DISCÍPULOS AMADOS E FIÉIS. O
quarto evangelho especifica que estes discípulos “estavam junto à cruz” (Jo
25-26). Um detalhe de profundo significado. Só o quarto evangelho narra estas
cinco pessoas estavam junto à cruz. Os outros evangelistas não especificam.
Lucas, por exemplo, narra que todos aqueles que o conheciam o seguiam de longe
(Lc 23,49). Também Mateus conta que muitas mulheres seguiam de longe estes
acontecimentos. Estas mulheres haviam seguido Jesus desde a Galiliéia e lhe
serviam. Porém, agora o seguiam de longe (Mt 27,55-56). Marcos como Mateus, não
nos dá os nomes daqueles que de longe observavam a morte de Jesus (Mc 15,40-41).
Só o quarto evangelho especifica que a Mãe de Jesus com outras mulheres e o
discípulo amado “estavam junto à cruz”. Estavam ali, como servos diante de seu
Senhor. Estão valorosamente presentes no momento em que Jesus declara que “tudo
estava consumado” (Jo 19,30). A Mãe de Jesus está presente quando a “hora havia
chegado”. Àquela hora pré-anunciada nas bodas de Caná (Jo 2,1ss). O quarto
evangelho havia anotado também naquele momento que “a Mãe de Jesus estava ali”
(Jo 2,1). Por isto, aquele que permanece fiel ao Senhor em sua sorte é o
discípulo amado. O evangelista deixa no anonimato este discípulo de modo que
qualquer um de nós possa ser refletido nele que conheceu os mistérios do Senhor,
apoiando sua cabeça sobre o peito de Jesus durante a última ceia.
PARA REFLEXÃO
PESSOAL
• Leia outra vez o texto do evangelho, e busque
na Bíblia todos os textos citados na leitura. Tente encontrar outros textos
paralelos que te ajudem a penetrar a fundo o texto d meditação.
• Com teu
espírito, ajudado pela leitura orante do relato de João, visite os lugares da
Paixão, pare diante do Calvário para aproveitar com Maria e o discípulo amado o
acontecimento da Paixão.
• O que é que mais chamou tua atenção?
• Qual é o
sentimento que provoca em você o relato da Paixão?
• O que é que significa
para você o fato de que Jesus padece ativamente sua Paixão?
Reflexão
2:
A quem procurais? Eles responderam: Jesus o Nazareno” (18,
5);
Qual a razão de se procurar Jesus de Nazaré?
Aqueles homens o procuravam para eliminá-lo, pois Jesus, assumir-se como
Messias, parecia para aquelas pessoas algo de inaceitável. Parecia-lhes uma
grande presunção, uma farsa a ser punida com pena máxima. Você já pensou a razão
de procurar Jesus? Ou nunca pensou? Ou pensou só as vezes? Você procura Jesus só
para resolver problemas, sentir-se bem, buscar uma realização pessoal muito
fechada no seu mundinho? Mas, felizmente, no curso destes dois mil anos, há
pessoas que procuram Jesus, pois acreditam no seu amor, na sua verdade, na sua
missão e assumem, pela graça, a identidade de cristãos, isto é, discípulos
amados do Senhor. E por serem amados, amam, isto é, dão a vida, gastam a vida
fazendo o bem, iluminando, ajudando!
“Não vou beber o cálice que o Pai me deu?” (18,
11);
Beber o cálice! O cálice da ira de Deus, o
cálice da sua justa indignação com o pecado humano, o mesmo que a humanidade
deveria beber e assim, satisfazer a justiça divina. Mas, Ele o fez e quem aderir
ao seu projeto, receberá o dom do Seu Espírito e a vida divina brilhará e
resplandecerá em quem o aderir. Cumprem-se, assim, as palavras da Escritura: “É
preferível que um só morra pelo povo” (18, 14); Você é daqueles que fogem dos
problemas, das dores, dos desafios, da cruz? Ou assume, sem vitimismos tendo em
vista um bem maior, isto é, completar na sua carne o que falta à paixão de
Cristo?
“O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste
mundo, os meus guardas teriam lutado para que eu não fosse entregue aos judeus.
Mas o meu reino não é daqui. (...). Jesus respondeu (a Pilatos): Tu o dizes: eu
sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo
aquele que é da verdade escuta a minha voz” (18, 36.37b);
Venha a nós o vosso Reino, ensinou-nos Jesus a
pedir! Este Reino é o que se encarna na história, mas não estaciona nas
categorias de tempo e de espaço, mas as transcende, as ultrapassa. Jesus é Rei,
é soberano, é o supremo, mas de forma alguma identificará a sua messianidade com
as realidades presentes! Quantos equívocos de tantos do passado e do presente
que acham que ao resolver os problemas sociais e políticos, promover humanamente
as pessoas, o ideal do Reino foi atingido! O Reino não acontecerá se tais metas
forem atingidas, mas o coração humano não aderir intimamente a Jesus, ao seu
projeto salvífico, na realização plena de seus desígnios de amor e de poder.
Nosso Senhor é a verdade e por isso quem o escuta, aderindo-O, plenifica-se,
atinge a grande meta! Escutar sua voz, sim, para acolher sua Palavra santa e
poderosa. Um escutar que está intrinsecamente ligado ao aderir
incondicionalmente, existencialmente ao Mestre, seguindo-O, isto é, imitando-O.
Qual a sua compreensão do Reino de Deus? É um reino de facilidades ou um Reino
de compromisso, de felicidade autêntica vivida na oferta generosa da vida?
(disse Pilatos): “Olhai, eu o trago aqui fora, diante de
vós, para que saibais que não encontro nele crime algum” (19, 4)
.
Eis uma declaração da inocência de Nosso
Senhor. Pilatos é iníquo, profundamente covarde, vende sua consciência em função
de seus medos gerados pelo seu cargo, sua função. É permissivo ante a pressão da
corja insana que o inquieta e pressiona. E eu, você, abrimos mão da verdade, da
nossa adesão a Cristo em função de interesses pessoais, de seguranças humanas,
de hesitações e medos oriundos do respeito humano? E você, condenou Jesus por
medo, covardia, interesses humanos egoístas, mesquinharia besta?
“Não tinhas autoridade alguma sobre mim, se ela não te fosse
dada do alto. Quem me entregou a ti, portanto, tem culpa maior” (19,
11);
Toda autoridade é dada do alto. Se não fosse
dada do alto, tal autoridade não teria sido dada a Pilatos. Uma visão de fé, sem
dúvida, geradora da submissão de Jesus. Ele sabe que por detrás das
determinações da autoridade, os desígnios do Pai se cumprirão; mas uma
constatação é preciso fazer, a saber, que todos quantos são revestidos de
autoridade, são necessariamente chamados a responder por seus atos de modo muito
particular. As autoridades: promoveram as pessoas plenamente, buscaram o bem
delas ou as impediram ou criaram obstáculos para que elas fossem autenticamente
felizes, se encontrassem com Deus e sua verdade libertadora, em suma, fossem
salvas do pecado e libertadas do demônio? Você é obediente? Faz uma leitura
sobrenatural do que lhe acontece? Como você interpreta a vida, os
acontecimentos? Isso lhe deixa passivo ou comprometido em fazer o Reino de Deus
acontecer?
“Eis o vosso rei!” (19, 15); (Disse Jesus para Maria):
“Mulher eis o teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Esta é tua mãe”. Dessa
hora em diante o discípulo a acolheu consigo (19, 26b-27);
Uma das páginas mais preciosas! Maria é-nos
dada na dor suprema da cruz! Ela, com sua sublime maternidade, faz-nos irmãos de
Jesus! Ser filho de Maria é um jeito muito concreto de ser filho de Deus, pois
Ela nos inserirá com grande fecundidade na vontade do Pai, cujo cumprimento ela
tornou-se perita, especialista. Maria, a discípula, a Mãe, a intercessora, a
auxiliadora, o modelo. Acolhê-la em casa tem um simbolismo forte, eloqüente,
pois significa assumi-la na vida, na própria história, fazendo-se servo do
Senhor, escravos da Palavra, empenhados decisivamente em fazer tudo o que Jesus
nos disser. Nunca seremos gratos o suficiente a Jesus por ter-nos dada a sua Mãe
para ser também nossa Mãe. Você se comporta como filho de Maria? Levou Maria
para sua vida? Entendeu que o verdadeiro filho de Maria é um alguém que está aos
pés da cruz, isto é, assume-se como um discípulo amado de Jesus?
“Tenho sede” (19, 28);
“Deus tem sede que tenhamos sede dele”
(Agostinho). Sede do amor das criaturas, dirá Teresinha do Menino Jesus. Mais
que sede de água que certamente foi grande também.
“Tudo está consumado”. E
inclinando a cabeça, entregou o espírito” (19, 30);
Toda a obra do Pai estava
cumprida. O servo obediente foi até o fim. Jesus pendente da cruz, símbolo
máximo e eficaz da obediência incondicional a Deus. Que vemos? Só amor, amor
imenso, infinito, radical, um amor louco, indescritível. É olhar e apaixonar-se,
é amar e seguir o Mestre carregando também a nossa cruz, sendo crucificados com
Ele, sepultados com Ele para com Ele ressurgir. Qual a medida de tua sede de
Deus? É grande como a vontade de beber água naqueles dias bem quentes? Tua fome
de Deus é grande quanto a vontade de comer algo quando o estomago ronca por não
ter nada?
(...), mas um soldado abriu-lhe o lado com uma lança, e logo
saiu sangue e água” (19, 34);
Aqui nascemos, aqui vivemos, aqui amamos, aqui
somos discípulos, daqui somos enviados e tornamo-nos missionários em seu nome e
seu amor! O lado aberto de Jesus foi a fenda da rocha onde se esconderam os seus
melhores amigos, os seus mais apaixonados discípulos, os seus mais ardentes
missionários, os seus mais destemidos profetas, enfim, todas as almas esposas. É
teu lugar!
“Não quebrarão nenhum dos seus ossos. E outra Escritura
ainda diz: “Olharão para aquele que transpassaram” (19,
36-37);
Ele é o Cordeiro pascal e, por isso, nenhum
osso lhe será quebrado. Sim, olharemos o traspassado. Contemplaremos e
enxergaremos o seu amor incondicional, total. O onipotente fragilizou-se
imensamente, o santíssimo assumiu as culpas dos pecadores, o perfeito e
infinitamente são, deixou-se ferir e assumiu nossas dores. Nós O contemplamos!
Com os olhos da fé, do amor, com os olhos interiores e deixamo-nos interpelar.
Você olha pra Jesus crucificado? Que lições você colhe pra sua vida? Você
consegue enxergar o amor de Deus lá na cruz? Além da dor, você contempla um
grande AMOR?
No lugar onde Jesus foi crucificado, havia um jardim e, no
jardim um túmulo novo, onde ainda ninguém tinha sido sepultado” (19,
41).
Um jardim. Lá no Éden, havia também um jardim:
lá se consumou o pecado. Lá no túmulo, um jardim: lá se consumou a obediência.
Começou um novo paraíso, inaugurado com o sepulcro que acolheu Quem matou a
morte, quem está cheio de vida. Lembre-se das palavras de Paulo: "Pois vós
morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus" (Cl 3, 3). O
jardim é o lugar do sepulcro foi palco da ressurreição, encheu-se de luz e vazio
ficou! A esperança salva!
Reflexão
3: As sete palavras de Cristo na Cruz
Ao estudarmos os quatro evangelhos,
encontramos as sete palavras de Jesus Cristo que, no auge de sua agonia e dor
nos faz refletir a perfeição com que cumpre sua missão:
1)
Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem (Lc 23,
34)
Esta oração é para que Deus perdoe a
ignorância daqueles que o crucificavam: os soldados romanos e a multidão que o
acusava. Reflete e confirma uma exortação anterior de Jesus, quando instava a
seus seguidores que amassem e perdoassem seus inimigos (Mt 5,44). Remete-nos a
oração do Pai-nosso em que nós mesmos colocamos a condição para que o Pai perdoe
as nossas faltas: "perdoai as nossos ofensas assim como nós perdoamos a quem
nos tem ofendido".
2)
"Em verdade eu te digo que hoje estarás comigo no Paraíso." (Lucas 23,
43)
São Lucas
coloca no centro de sua narração o anúncio da salvação operada por Cristo,
salvação que é a mais plena manifestação do amor de Deus. No diálogo de Cristo
com o ladrão o que se deixa notar é o anseio de, mesmo na cruz, Jesus pregar a
conversão e a salvação aos homens. Poderíamos nos perguntar: o Crucificado
deveria salvar a quem nesse momento de extrema agonia? Humanamente
responderíamos que era Ele mesmo, mas ele não salva a si mesmo, mas os pecadores
que se convertem e confiam nele. Assim a cruz se torna local de transfiguração
do rosto salvador de Deus. A salvação de Deus é operada não porque ele tira
Jesus da cruz livrando-o da vergonha e da humilhação, mas pelo fato de
permanecer mesmo nas horas mais extremas fiel ao amor. A salvação vem
para aqueles que estão abertos aos planos de Deus: o primeiro ladrão se
associou aos chefes e soldados, ele queria, assim como muitos judeus, uma
manifestação espetacular de Jesus, já o segundo mostra numa atitude de piedade a
confiança em Cristo. “O ‘lembra-te de mim’ é uma oração que, na tradição
religiosa bíblica e judaica, os moribundos e os homens perseguidos pela desgraça
dirigem a Deus”. Jesus é reconhecido por ele num momento de extrema humilhação e
rebaixamento, num momento em que Jesus é visto como um “derrotado”. Jesus se
dirige ao ladrão decidido: garante-lhe a salvação ainda hoje por causa desse
lindo gesto de arrependimento e volta do coração ao Senhor. Da boca de Jesus
crucificado é escutado o pronunciamento de salvação para todos aqueles que se
convertem e se arrependem de seus pecados. Esse fato não é contraditório com a
vida de Jesus, pois ele “veio procurar o que estava perdido, chamar os
pecadores à conversão” (Lc 5, 32). “Não há situação humana de miséria e de
pecado que exclua alguém da salvação; também para o bandido que morre por causa
de seus delitos há esperança de futuro”.
3)
"Mulher, eis aí teu filho; olha aí a tua mãe." (João 19,26-27).
Seguindo
as últimas palavras de Jesus na cruz notamos uma presença no Gólgota de singular
importância: a presença da mãe e do discípulo amado de Jesus. Maria é uma mulher
forte, corajosa e confiante nos planos de Deus; se no dia da anunciação ela teve
a alegria de o receber no seu ventre, agora ela o entrega novamente ao Pai. Na
cruz de seu Filho “encerra” a missão de mãe terrena de Jesus, mas uma nova
missão é assumida: simbolicamente a Igreja está presente no momento da
crucificção através de Maria e João; Maria torna-se mãe do discípulo e
de todos os discípulos. Ela agora é mãe da Igreja nascente e João representa
cada cristão, de todas as épocas, que recebe a mãe do Senhor como sua
mãe. “O último ato de Jesus antes de morrer tem sido formar o povo messiânico,
fundar a Igreja na pessoa da mãe e do discípulo amado”. Por isso, na adoração da
cruz na sexta-feira santa, as duas velas que ficam ao lado da Cruz para ser
adorada simbolizam Maria e João que destemidamente estiveram sempre ao lado de
Jesus.
4)
"Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" (Mt 27,46 e Mc
15,34).
Expressa
o sentimento de total abandono experimentado por Jesus em seu sacrifício e a
necessidade de enfrentar a agonia sem qualquer valimento, nem mesmo o divino, a
fim de cumprir seu desígnio e realizar sua obra de salvação. O seu grito foi o
extremo brado de toda a humanidade que, não raras vezes, se sente abandonada.
Seu clamor ecoa toda a experiência da Antiga Aliança, onde vemos que muitas
vezes os profetas e patriarcas também gritaram ao único Deus capaz de
socorrê-los. Seu brado além de confirmar a verdade histórica mostra que não
houve um abandono real por parte do Pai, mas sim uma sensação de abandono devido
às circunstâncias extremas, pois, quanto mais amamos alguém e nele confiamos,
mais atroz resulta a sensação de abandono.
5)
"Tenho sede". (João 19,28)
Aqui fica
patente a natureza humana de Jesus, não era uma reclamacão ou um pedido mas uma
afirmação clara de que Ele era de carne osso, tinha fome sede como todos os
humanos. E é por isso que Ele se compadece nós, pois Ele conhece todas as nossas
dores (Hebreus 4:15 e 15). Sua sede, contudo, não fora saciada com água, mas com
o acrimonioso vinagre dos nossos pecados. Experimentando o sabor final do
pecado, sofre como se Ele fosse responsável por tudo o que houvesse acontecido.
Sofre o abandono próprio dos pecadores. Ardendo em sede sofre não só as penas do
pecado, mas também a culpa destes. Porém, sua ardente sede será saciada não com
o amargo vinagre dos pecados por ele assumido, mas com água cândida da
ressurreição que conduz a eternidade.
6)
"Está consumado" (João 19,30)
Jesus
declara que tudo o que devia ser feito foi cumprido, e é interpretada como um
sinal de que a obra de salvação se tornará eficaz por intermédio de seu
sacrifício em prol de todos os homens. A cena da morte é dominada pela idéia do
cumprimento. Esta frase não quer dizer o fim de tudo, mas inicio de um todo
salvífico que encerra com sua morte, inclusive e com ela inicia, exclusive.
Vemos que a vontade do Pai foi realizada, em tudo perfeitamente. A cruz
é momento no qual vemos a perfeita obediência de Jesus a vontade do Pai, a
revelação do amor e a construção de uma comunhão. Pela
obediência nos dá a salvação; pelo amor nos conduz a plenitude
e pela comunhão nos faz o novo povo de Deus, que a partir de agora, não
se perde na promessa, mas se encontra na efetivação plena do que Deus houvera
prometido. A cruz torna-se assim, não um gesto como os outros, um cumprimento
qualquer das Escrituras, mas o termo de toda a ação salvadora do pai para com os
seus filhos. Sendo a cruz é a manifestação extremada de um amor infinito que o
Pai e o filho possuem pela obra da criação.
7)
"Pai, em tuas mãos entrego meu espírito". (Lucas
23,46)
Terminada
sua agonia, Jesus se abandona aos cuidados de seu Pai e, assim fazendo, expira.
Que coisa era consumada senão aquela que a profecia tanto tempo já havia
predito? Santo Agostinho disse: “Uma vez que não permaneceu nada que, agora
se devesse compreender antes de sua morte, e já que tinha o poder de dar a sua
vida e retomá-la (Jo 10,18) fazendo se cumprir tudo aquilo que esperava que se
cumprisse, abaixando a cabeça entrega o espírito.” Ao entregar o seu
espírito, a obra do Pai foi levada a termo pelo sacrifício. Sacrifício este que,
ao contrário dos sacrifícios da Antiga Aliança que eram oferecidos pelos homens
e não mudavam sua realidade objetiva, torna-se agora sacrifício oferecido pelo
próprio Pai que dá seu único Filho em sacrifício para consumar a obra da
salvação, que nas palavras de Cristo expressa a majestade de sua missão
consumada não somente em seus ditos, mas finalizada na eximia Cátedra de sua
missão: a cruz!